Como seria “simples”...
Miguel Garcia
Como seria “simples” se pudéssemos
satisfazer os anelos de toda a condição humana, em segurança, no nosso quarto
de dormir (casadinhos
e afins)! Se o parceiro (a) fosse como
Deus, onipotente para nos apoiar em nossas carências, abarcando tudo para podermos fundir nele (a) nossos desejos. Becker
Como seria “simples”
ancorar e delimitar nossas vidas com ‘aléns’
que estivessem logo à mão, pouco adiante, ou forjados por nós mesmos;
Como seria “simples”
que a intuição não con-vida-sse a ingressar no além (afora; a outra vida) da
religião;
Como seria “simples”
se fossemos capazes de fechar os olhos à nossa necessidade profunda - à ideologia
realmente religiosa inerente à natureza humana: única capaz de satisfazer a carência
básica de qualquer gênero de vida social;
Como seria “simples”
se pudéssemos crer que a entrega a Deus é masoquismo, que esvaziar-se de si
mesmo é degradante, que o ponto mais distante que o eu pode alcançar, que a
máxima idealização acessível ao homem encontra-se exatamente em “abandonar a ideia de Deus – na não expansão
amorosa do Ágape; em não realizar-se criativamente;
Como seria “simples”
não render-se à grandeza da natureza no mais elevado e menos fetichizado nível:
não ‘conquistar’ a morte;
Como seria “simples”
se a confirmação heroica da vida de cada um pudesse ser obtida no sexo, no
outro, em formas de religião particular; se toda essa lista de coisas atraísse
o bicho/humano para cima, ou o libertasse , deixando-o pleno/integral,
satisfeito e confiante;
Como seria “simples”
se pudéssemos prescindir dos “verdadeiros valores interiores na personalidade”,
se pudéssemos ser mais do que meramente um reflexo de algo vizinho desses
valores e não meras sombras de sombras; se portássemos um giroscópio firme em nosso
íntimo;
Como seria “simples”
se houvesse em nós um centro: não ter que olhar para além do eu, além dos
consolos dos outros e das coisas deste mundo;
Como seria “simples”
se não fossemos teológicos, mas sim biológicos;
Como seria “simples”
se nossa cultura pública e privada, sobretudo a das elites, não se dissolvesse
em corrupção, cocaína, apatia politica, consumo e
filosofias-de-retoques-e-maquiagens;
Como seria “simples”
se uma cervejinha no sábado à tarde, um grito de gol a cada dois anos, três
dias de desfiles nas avenidas, ou ainda o culto ao próprio umbigo, às lágrimas
e suspiros românticos; se a obsessiva pergunta: “quem pode ter orgasmos com o
quê e com quem”, ou, finalmente, o sonho da semana de compras em Miami, desse cabo
da doença mortal - desespero da criatura bipartida... Como seria “simples”... Mas
isso é impossível.
Vassum
Crisso
Um comentário:
Simplesmente espetacular, me rendo as suas palavras.
Samira Silva
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