segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Fugitiv-idades!

Fugitiv-idades!
Por Miguel Garcia

O que seria neutro e funda-mental na existência humana, senão a miséria imposta a todas as gentes e o pesado jugo que carregam os filhos de ‘Adão’, desde o dia em que saem do ventre das origens fontes, até o regresso ao seio da mãe de todos: os seus cuidados, sobressaltos do coração, a apreensão de esperar, o dia em que tudo se finda; desde o que está sentado sobre um trono de glória até aquele que jaz abatido na terra e na cinza; desde aquele que veste púrpura e cinge a coroa ao que está vestido de estopa, tudo é furor, inveja, inquietação, perplexidade, terror de morte, ressentimentos e contendas? E até na hora de repousar no leito, o sono da noite irá  perturbar o espírito... Por pouco tempo - um instante, goza a paz e, logo, em sombras se afadiga como de dia, como um fugitivo tentando escapar aos seus perseguidores. No momento de se por a salvo, acorda e todo se maravilha por ser vão o seu temor. 

Adaptado do texto do Eclesiastes - Bíblia Sagrada.

Vassum Crisso

sábado, 24 de setembro de 2011

O Bicho

 O Bicho
(Adaptado do poema de Manuel Bandeira)

Vi ontem um bicho
Na imundície do ‘pátio’
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era uma pastora negra e missionária.

Vassum Crisso

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Melo dos nega-dos

Melo dos Nega-dos
Adaptado da letra: Mil Perdões - Chico Buarque

Te perdôo
Por fazeres mil perguntas
Que em vidas que andam juntas
Ninguém faz
Te perdôo
Por pedires perdão (não reconhecer-me como legítimo outro em convivência, por imaginar-te deveras piedoso ao pedires perdão, fazendo-te superior a mim, tu: “a mais humilde das criaturas terrestres”. Por ufanar-te e bravatear de forma camuflada, polida e tor-tu-r-ante).
Por me amares demais: ‘projetares tuas expectativas descabidas por sobre mim – fazer-me tua tela vazia;  por essa forma de egoísmo disfarçado que insistes em chamar de amor, por super-inflacionar minha pessoa, negando-me no processo, perdendo a ti e a mim no afã de empreender teu projeto em causa própria - “heroísmo cósmico”.


Te perdôo
Te perdôo por ligares
Pra todos os lugares
De onde eu vim
Te perdôo
Por ergueres a mão (de tua tácita indiferença)

Por bateres em mim (das trincheiras - lugares altos - púlpito)
Te perdôo
Quando anseio pelo instante de sair
E rodar exuberante
E me perder de ti (da farsa esdrúxula e maquinal – ri-tu-ais, cerimoniais e lit-urgias vazias e causticantes)
Te perdôo
Por quereres me ver
Aprendendo a mentir (te mentir, te mentir)
Te perdôo
Por contares minhas horas
Nas minhas demoras por aí
Te perdôo
Te perdôo porque choras
Quando eu choro de rir
Te perdôo
Por te trair


Adapt-ação: Miguel Garcia - Vassum Crisso