terça-feira, 20 de julho de 2010

Desvendando o que há por trás das relações e não relações soci-ais da igreja

Desvendando o que há por trás das relações e não relações soci-ais da igreja
(Dedicado a antigos e ou atu-ais funcionários de igrejas evangélicas mundo a fora)
Por Miguel Garcia

Nesse artigo trago algumas das brilhantes teses do cientista Humberto Maturana, com o fito de fertilizar novas percepções sobre as relações e não relações de trabalhos em igrejas evangélicas. Considero caro e esclarecedor compartilhar que as relações entre as pessoas que prestam serviços às igrejas evangélicas e seus respectivos patrões/pastores/bispos/apóstolos, não são relações sociais, porque elas se fundam no compromisso de cumprir uma tarefa e, nelas, apesar do que se possa (sentir) idealizar e dizer do contrário, o cumprimento da tarefa é a única coisa que importa.

Na ótica de Maturana, para adotar o compromisso de trabalho é essencial que os participantes sejam pessoas, seres multidimensionais, mas uma vez assumido o compromisso, o fato de os participantes serem pessoas e terem outras dimensões relacionais não tem nenhuma pertinência. Isso se nota quando aquele que aceita o compromisso de trabalhar num determinado ofício da igreja tem alguma dificuldade na sua realização. 


Quando isso ocorre, o patrão (pastor, bispo, apóstolo, etc..) se queixa e diz: “— Não vou lhe pagar, você não atendeu minhas expectativas: falhou, violou regras, não veio, não cumpriu, não lhe pago. — Mas, senhor — balbucia o empregado/”ovelha” (possível membro da igreja/empresa que o bispo ou pastor/chefe lidera) — minha mulher..., meu filho..., minha sogra... — Olha, — replica o pastrão ou seu capataz — as coisas pessoais não entram aqui, a única coisa que importa é a tarefa.”

Ao mesmo tempo o empregado, ainda que tenha sido negado em suas outras dimensões, sabe que num certo sentido o que o patrão/pastor(a) disse é legítimo frente ao acordo de realizar uma tarefa, mas se queixa e se sente injuriado. Maturana desvenda o “mistério” que se instaura aí explicando que nosso problema é que confundimos domínios, porque funcionamos como se todas as relações humanas fossem do mesmo tipo, e não são (confusão que se dá, por vezes, tanto na cabeça do patrão/pastor-homem-de-Deus, como na da ovelha/funcionária-“amado[a]-irmão[a]”. Para Humberto Maturana, as relações humanas que não se baseiam na aceitação do outro como um legítimo outro na convivência não são relações sociais. As relações de trabalho não são relações sociais. O mesmo ocorre com as relações hierárquicas, pois estas se fundam na negação mútua implícita, na exigência de obediência e de concessão de poder que trazem consigo. O poder surge com a obediência, e a obediência constitui o poder como relação de negação mútua. As relações hierárquicas são relações fundadas na supervalorização e na desvalorização que constituem o poder e a obediência e, portanto, não são relações sociais.

Comumente falamos como se o outro detivesse o poder (ex: o anjo da igreja, ungido do Senhor, etc...), mas, na verdade, isso não é assim. Para Maturana o poder não é algo que um ou outro tem, mas sim uma relação na qual se concede algo a alguém através da obediência (transferência?), e a obediência se constitui quando alguém faz algo que não quer fazer cumprindo uma ordem. O que obedece (empregado) nega a si mesmo porque, para evitar ou obter algo, faz o que não quer a pedido do outro (chefe). O que obedece age com raiva, e na raiva nega o outro porque o rejeita e não o aceita como um legítimo outro na convivência. Ao mesmo tempo, o que obedece nega a si mesmo ao obedecer e pensar: “Não quero fazer isto, mas se não obedeço me expulsam ou me castigam, e não quero que me expulsem ou castiguem.” Mas o que manda também nega o outro e nega a si mesmo ao não se encontrar com o outro como um legítimo outro na convivência. Ele nega a si mesmo porque justifica a legitimidade da obediência do outro com sua supervalorização, e nega o outro porque justifica a legitimidade da obediência com a inferioridade do outro.

Para Maturana nós seres humanos não somos o tempo todo seres sociais; somente o somos na dinâmica das relações de aceitação mútua. Sem ações de aceitação mútua não somos sociais. Entretanto, na biologia humana, o social é tão fundamental que aparece o tempo todo e por toda parte.

No instante em que o patrão/pastor (pastrão) escuta um operário ou um empregado eclesial sobre a doença de sua mulher aceitando sua legitimidade, aparece a pessoa que realiza o operário ou empregado e surge uma relação social. Mas o pastrão que escuta não é um bom-pastor-patrão, porque confunde uma relação que devia ser exclusivamente de trabalho com uma relação social. O bom-pastor-patrão é o que cumpre seus compromissos com seus empregados e com as leis ou acordos “comunitários” que regulam os acordos de trabalho. Conforme o pensamento de Maturana: é justamente porque as relações de trabalho não são relações sociais que são necessárias leis que as regulem. No marco das relações sociais não cabem os sistemas legais, porque as relações humanas se dão na aceitação mútua e, portanto, no respeito mútuo.

Os sistemas legais se constituem como mecanismos de coordenação de conduta entre pessoas que não constituem sistemas sociais. Dentro do sistema social opera-se numa congruência de conduta que se vive como espontânea, porque é o resultado da convivência na aceitação mútua. H.M. afirma que se olharmos a história, iremos compreender que os sistemas legais surgem quando as populações humanas se tornam tão grandes que deixam de ser sistemas sociais e se fragmentam em comunidades sociais menores mas independentes, ou dão origem, em seu interior, a comunidades não-sociais que abrem novos espaços de interações fundadas em outras emoções diferentes do amor.

As teses de Maturana nos dizem que os fenômenos sociais têm a ver com a biologia, e que a aceitação do outro não é um fenômeno cultural. Além disso, afirma que o cultural, no social, tem a ver com a delimitação ou restrição da aceitação do outro. É na justificativa racional dos modos de convivência que inventamos discursos ou desenvolvemos argumentos que justificam a negação do outro. Nas palavras do cientista:

“Ensinamos às crianças, desde pequenas, a rejeitar certos tipos de pessoas e animais. Assim, se a mãe vê que seu filho quer brincar com um outro de quem ela não gosta, ela diz: “— Não brinque com esse menino, ele é um maltrapilho.” Isto acontece conosco sem nos darmos conta, porque vivemos numa cultura que faz isso, e temos que refletir para evitá-lo. Os cães dos ricos rosnam para os pobres. Para quem eles rosnam? Para a negação do outro que faz o rico. Estou usando a palavra rico para falar de uma pessoa que nega o outro com medo de perder o que possui. Meu cachorro sabe exatamente quem são meus inimigos. Como sabe? Porque eu os nego na minha dinâmica emocional, ao mover-me nos domínios de ação que ela traz. Se minha emoção é a rejeição, minha conduta é não aceitar o outro como um ser humano legítimo na convivência e, se pertencemos à mesma cultura, ele percebe, ainda que eu queira ocultar-lhe, porque pertencemos ao mesmo domínio de congruência estrutural. Não podemos evitar nossa biologia. E, além disso, para que evitá-la se ela nos constitui? O melhor é conhecê-la.”

E imaginar que a loucura dessas atividades todas é exatamente a da condição humana... Que a loucura diária dos empregos igrejeiros ou não, serve como vacinação repetida contra a loucura do hospício... Imaginar a alegria e expectativa ansiosa com que os funcionários retornam das férias para suas atividades compulsivas – aqueles autorizados a gozar de tais prazeres terrenos... Imaginar tanta gente protegida do real, tanta gente se atirando ao trabalho com serenidade e despreocupação porque ele abafa algo mais ominoso... Imaginar as relações sociais imaginárias nas igrejas... O cômico existencial nas palavras - sermões, atitudes e sobretudo nas omissões constantes, nos gestos e ausência deles... Imaginar tantas promessas vãs, tantos cultos ao heroísmo da pessoa central, tanto fetiche, transferência... Imaginar o tempo desperdiçado, a vida que se esvaiu... Os Cristos negados... Imaginar.. Imaginar... faz emudecer...

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