sábado, 8 de maio de 2010

Êxodo em perspectiva: alguma coisa não cheirava bem nessa história...

Êxodo em perspectiva: alguma coisa não cheirava bem nessa história...
Por Miguel Garcia

A crescente consciência de que a Bíblia tenha si tornado, nas diversas interpretações e traduções, um dos pilares na construção a na interpretação da história, deixa um sujeito como eu, maravilhado e devastado como um sobrevivente de tsunami.
Assim se faz quando pensamos em Êxodo no contexto latino-americano, quase que automaticamente o associamos a projetos de libertação, a utopias que se descortinam no horizonte da caminhada dos povos.
Infelizmente o Êxodo não representa só libertação de um povo, como sempre foi conveniente aos exploradores fundamentalistas e outros afirmarem, Êxodo também significou e ainda significa o domínio de outros – escravização e violência. Se israelitas se libertam, cananitas tem suas terras invadidas. Imprescindível pensar em como os transfundos históricos de uma “verdadeira” e “correta” interpretação dos textos foram recebidos e traduzidos para a realidade social e para o imaginário religioso das pessoas, assinala o Antonio Magalhães, autor do livro: Deus no espelho das palavras.
O sentido da história na América Latina tem uma experiência, no mínimo ambígua com o texto do Êxodo. Conforme diz Magalhães, se a segunda experiência foi marcada por uma associação do evento e do texto do Êxodo com idéias libertárias, a primeira foi determinada pela idéia de expansão e conquista. Como explicar a expansão dos povos ibéricos nos séculos XV e XVI, sua criminosa exploração do ser humano e da natureza, sem que se considere subjacente mesmo aos fatores econômicos, a consciência messiânica de envio e expansão presente no imaginário ocidental por meio do paradigma do êxodo?
Eis o poder das tradições religiosas, poder de contribuir direta ou indiretamente para a formação de um imaginário que tem na expansão e na conquista uma de suas mais importantes bases.
Poder afirmar que tanto a idéia do monoteísmo judaico quanto a do cristão têm no êxodo um paradigma incontornável, independente de seu estágio, se isso se refere ao vulcânico e ciumento Javé, se ao Deus tribal atento ou ainda ao misericordioso e universal Pai de Jesus Cristo, independente se a idéia brota de adeptos de igrejas históricas mais antigas ou das mais recentes como pentec-os-tais, neo-pentec-os-tais e ou os que se apóiam numa mais leitura existencialista da Escritura é ação que faz a cabeça rodopiar. Em todos os estágios da fé que se consolida em torno do pensamento cartesiano sobre o Êxodo, há uma forma de pensar que se cristaliza pelo ir, conquistar e expandir. A essa categoria de pensamento subjaz a ocupação da terra por parte dos “israelitas” de ontem e de hoje em dia.

Paulo, Paulo: por que tu me persegues?

Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só..." Será?... “Vocês são de fato a descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa”, será?!

De acordo com o Magalhães, vê-se um êxodo espiritual que vai sendo construído dentro do Novo Testamento, aguçado pelo afã de Paulo.
Logo eu que cri de pronto na mensagem “libertadora”, por vezes me pego um típico cananita: meus espaços conquistados, meu ser con-vertido, minhas memórias apagadas, minhas histórias trans-de-formadas...
Eis que um novo êxodo a-con-teceu nas Américas, para tanto “foi preciso”: anunciar uma fé, propagar o “evangélio”, ocupar terras, desapropriar famílias, concreta e subjetivamente, apagar memórias, e mortificar experiências (na nova economia não há espaço ou interesse para nenhuma outra).
E quanto a mim, e quanto a nós “índios”, lá do nosso lado do “rio”, com nossa cabana modesta, nossa horta pequena e a plantação de tulipas, “vimos” maravilhados a chegada da Igreja Ibérica e afins assumindo o papel de povo messiânico, mensageiro exclusivo de Deus e arauto do vaticínio divino para a história dos povos... Pobre de mim, de nós: convertemos-nos em não nós mesmos (alienígenas). A outra opção seria nos amontoarmos aos escombros da história fazendo crescer o contingente de existências desapropriadas do próprio fôlego de vida e ocupados por vermes que comem defuntos, de resto ofertamos absolutamente tudo...
Quem diria: “uma idéia aparentemente tão pequena, no meio de um povo, como Israel, aparentemente tão insignificante, tomou corpo, construiu um paradigma de toda uma civilização, passando primeiramente pelo povo de Israel e sendo assumido como um novo sentido pela Igreja. O Êxodo, uma construção literária, ser um dos pilares da compreensão de história no Ocidente...” vir me atingir aqui, atingir-nos como uma onda de "catástrofes" ecoando até os dias atu-ais.

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