quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Um negro só -, será quando crê-s-cer, só.. será... um negro... só...
Miguel Garcia

Certa feita um menino regressando do colégio entra em casa e vai logo se livrando da mochila pesada, sua mãe o vê, corre para abraçá-lo e beija-o ternamente. Excitado pela corujisse da mãe, o garoto relata com orgulho seu bom desempenho em mais um dia agitado na escola. Finalmente de volta ao conforto uterino - à companhia materna, sente-se mais ou menos à vontade para deixar escapar uma pergunta que nunca saíra da ponta da língua:
- Mãe, porque eu tenho que estudar?
Sua mãe, fitando-o com um olhar de veludo que acariciava, procurou semear no filho a primeira resposta que lhe veio à mente:
- Meu filho, você deve estudar para ser alguém na vida, pois a um negro nunca será permitido ser apenas “bom” naquilo que fizer. Um negro será constrangido a ser o melhor: um Pelé, um Mandela, um Luther King, Hendrix, Barack, um Assis, Cruz e Souza, uma beldade, onipotente e sempre pronto a milagrar seus feitos, não importando o fato de que uma pirâmide costuma ser estreita demais na extremidade. Contudo, não é certo que agindo desse modo, sendo capaz de proezas colossais, sendo dócil e previsível feito uma vaca hindu, que um negro estará garantido e seguro, podendo viver em paz. Do contrário, se os negros forem preguiçosos e medíocres, estarão apenas confirmando a expectativa e previsões gerais a seu respeito. Caso sejam esforçados e excelentes em tudo que empreenderem é certo que atrairão ressentimentos, invejas, perseguições implacáveis e, por fim, exclusões e descartes desabarão sobre seus sonhos como uma tempestade de fogo, tudo em nome de Deus, da ordem do progresso e dos “bons” costumes burgueses como já é de praxe.
E por fim meu filho, você deve estudar porque se existe uma instância entre um extremo ou outro de opressão, é aí que um negro habita e só o conhecimento levará a ela. E ainda temo dizer que o mundo é tão brutal e intolerante com negros, pobres, velhos, mulheres, crianças e indígenas, que mesmo nas artes e literatura, quando lhe é conveniente retratar o próprio Deus despido de bom nome e dignidade, moldar os contornos do divino à semelhança daquilo que consideram o pior das maldições existenciais – o que segundo imaginam constitui o que há de mais instintivo e vegetativo, coisificado e consificante, o Deus à imagem desse mundo-“artista”-criador adquire silhueta feminina, cor negra, perfil obeso, demonstra habilidades em trabalhos braçais e prendas domésticas, qual mucamas e amas de leite das casas senhoriais de ontem e de hoje, qual a submissa dona Benta de Monteiro Lobato, qual o Papai da ficção de William P. Young - A CABANA.
Pobre filho da mãe que ao fim de tudo permaneceu assim como estou agora, sem entender absolutamente nada a respeito de coisa alguma dos porquês da vida!


Que ventura a minha!

Um comentário:

Paulo Cruz (PC) disse...

É, meu amigo, são essas e outras idiossincrasias da vida que me fazem pensar no quanto somos caídos e dependentes de Deus e sua Graça.

Pior que essa falta de perspectiva que nos assola vez por outra é ouvir, por boca cristã, que somos todos iguais, portanto, qualquer forma de luta por reparação é Consciência é ilegítima.

"Lerê, lerê, lerêlerêlerê..."

Abraço,
PC