segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Re-parei

Re-parei
Miguel Garcia

Raparei nas cigarras e no passaredo, como cantam...
Reparei na sinfonia sibilante, timbres de gumes afiados, linhas e sombras sonoras - desenhos rítmicos e melódicos, traçados capazes de despertar de um sono mórbido um egoísta... reparei nas pequenas aves, na incessante ação de graças vespertina, no fretenir dos insetos durante a estação calma, em como bendizem a Causa de si mesmos e do resto do universo, reparei na simplicidade e satisfação de seus atos por vezes delicados, por vezes eufóricos, quase nunca silentes – nervosismo de atores responsáveis... Reparei nos cantos-ecos de alegria à Alegria sentida... Reparei na felicidade a mais, para um mais de felicidade.
Reparei que as apoucadas criaturas não escondem o deleite de receber, menos ainda, o regozijo de serem alegres: sua gratidão.
Foi então que tornei-me discípulo dos astros cantadores, como uma Fênix renascida das chamas infernais da solidão, ressurgi...
Eu que até então imaginava ser útil denunciar vícios, o mal, pecados, acusar e expor delitos, como um louco encantado com o falso poder que essa tola obsessão promete. Minha moral era a dos tristes, triste moral... Nunca mais serei o mesmo, pois a sabedoria das criaturas "inferiores” - a incrível habilidade de serem gratas e felizes, essa virtude latente e contagiosa, como uma bússola, revelará o Sentido do existir, para que eu não mais me perca de mim, naufrague e me afogue na imensidade gelada do orgulho, presunção e desamor.
Reparei que já não sou o mesmo...

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