sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O buraco é mais embaixo!

O Éric Emmanuel Schimitt (autor do livro O Evangelho segundo Pilatos) manda dizer para o Willian P. Young (autor do livro A Cabana) que o buraco é mais embaixo!
Miguel Garcia

William P. Young, autor do bem sucedido livro de ficção A Cabana, falando de seu personagem Mac, que segundo ele teria atingido em um dado momento de sua história de vida, uma espécie de clímax de consciência espiritual e humana, escreveu o seguinte:

(...) de algum modo ele virou criança de novo. Ou, para explicar melhor, ele virou a criança que nunca teve permissão de ser. Uma pessoa confiante e cheia de entusiasmo. Ele consegue acolher até mesmo os tons mais escuros da vida, vendo-os como parte de uma tapeçaria incrivelmente rica e profunda, tecida magistralmente por invisíveis mãos de amor (...)

Já o personagem Yéchoa (Jesus) de Éric Emmanuel Schimitt em seu livro O Evangelho segundo Pilatos, logo de início conta a experiência de ter “sofrido” uma “queda”, o que fornece uma excelente pista sobre o significado do "mito" do “Eden Perdido”. Nas belas falas do "próprio personagem" nós temos:

(...) Crescer foi desmentir. Crescer foi uma queda. Eu só aprendi a condição de adulto pelas feridas, as violências, os compromissos e as desilusões (...).


Depois de ter sofrido um acidente que quase lhe roubou a vida, Yéchoa que até então não imaginava o que seria a morte, num desabafo faz as seguintes declarações:

(...) O universo havia se desencantado. Pois o que é um homem? É simplesmente alguém-que-não-pode... Que-não-pode-saber-tudo. Que-não-pode-fazer-tudo. Que-não-pode-não-morrer(...)

Segundo Yéchoa, o conhecimento de suas limitações havia rachado o ovo da sua infância, a lucidez o havia feito crescer, quer dizer, diminuir. Aos sete anos, ele deixara definitivamente de ser Deus.

Posteriormente quando já aparece adulto no romance de Schimitt, com cerca de 30 anos, Yéchoa, desejando escapar dos falatórios, das influências, percebendo que após tantos anos todo mundo tinha uma opinião sobre seu destino, menos ele, esmagado pelos conselhos, perdido em meio a cem pistas, diagnosticado como muito piedoso por uns ou como ímpio por outros, como diz a narrativa:

“reconhecido, ignorado, pressionado, parado, chamado, retido, adorado, insultado, caçoado, venerado, ouvido, desprezado, interpelado... Eu não era mais um homem, mas um albergue vazio no cruzamento das estradas onde cada um chegava com seu caráter, suas bagagens e suas convicções, só repercutia o barulho dos outros... foi então que resolvi fugir...”

Eis a narrativa do próprio autor, não que não se possa encontrar partes da mesma misturadas às minhas, não me culpo por isso pois a beleza e encanto dos textos de Eric E. S. são absolutamente irresistíveis, veja finalmente porque segundo minha interpretação, em se tratando de Éric E. S. o “buraco” é bem mais embaixo:

(...) eu me embrenhei em terras incultas, lá onde não há mais homens, onde a vegetação é natural, selvagem, pobre, onde os pontos de águas são raros, lá onde não se corre mais o risco de encontros.

No deserto eu só desejava encontrar uma pessoa: eu. Esperava me descobrir no fim daquela solidão. Se eu era mesmo alguém ou alguma coisa, eu mesmo devia aprender.
No inicio, não achei nada. Só experimentava sentimentos impessoais; a irritação, o cansaço, a fome, o medo do dia seguinte...
Então, após alguns dias, as sujeiras das últimas semanas se afastaram, os hábitos frugais se instalaram, voltei a ser o menino de Nazaré, aquela espera pura da vida, aquele amor de cada instante, aquela adoração por tudo que existe. Eu me sentia melhor, mas estava muito decepcionado. Então, um homem, isso não existia verdadeiramente? Raspando os ouropéis do adulto só se recuperava um menino? Então os anos só acrescentaram pêlos, a barba, as preocupações, as brigas, as tentações, as cicatrizes, a fadiga, a concupiscência e nada mais?
Foi então que tive minha queda.
A queda que mudou minha vida. Que me fez balançar.
Foi uma queda imóvel.
Eu estava sentado no alto de um promontório sem vegetação.
Não havia nada para ver ao meu redor, a não ser o espaço. Não havia nada para experimentar além do puro tempo. Eu me entediava pacificamente. Eu segurava meus joelhos nas palmas das mãos e ali, subtamente, sem me mexer, comecei a cair...
Eu caia...
Eu caia...
Eu caia...
Eu me precipitava em mim mesmo. Como eu suspeitaria que havia essas falésias, um precipício tão vertiginoso, centenas e centenas de passos no interior do simples corpo de um homem? Eu me precipitava no vazio.
Quanto mais a queda se acelerava, mas eu gritava. Mas a velocidade abafava meu grito.
Depois tive a sensação de ficar mais lento. Eu mudava de consistência. Ficava menos pesado. Eu deixava de ficar diferente do ar. Eu me tornava o ar.
A aceleração me diminuía. A queda me tornou mais leve. Acabei flutuando.
E, lentamente, a transformação se realizou.
Era eu e não era eu. Eu tinha um corpo e não o tinha mais. Eu continuava a pensar, mas não dizia mais eu.
Cheguei a um oceano de luz.
Ali fazia calor.
Ali eu compreendia tudo.
Ali tinha uma confiança absoluta.
Havia descido até as forjas da vida, ao centro, ao foco, ali onde tudo se funde, se funda, se decide. No interior de mim eu não me encontrava, porém mais do que eu, bem mais do que eu, um mar de lava em fusão, um infinito móvel e mutante onde eu não percebia nenhuma palavra, nenhuma voz, nenhum discurso, onde eu experimentava uma sensação nova, terrível, gigantesca, única, inesgotável: o sentimento de que tudo é justificado... (...) eu estava bem. Eu não tinha mais sede nem fome. Nenhuma tensão me torturava. Eu experimentava uma saciedade essencial.
Eu não havia encontrado a mim mesmo no fundo do deserto. Não. Eu tinha encontrado Deus.
Desde então, a cada dia eu refiz a viagem imóvel. Eu escalava o montículo e mergulhava no interior de mim. Eu ia verificar o segredo.
Eu me unia sempre à insustentável claridade, eu me jogava em seus braços, onde passava um tempo que não se pode contar.
Aquela claridade, eu a tinha percebido algumas vezes, de modo fugidio, por trás de uma prece de infância, no brilho de um olhar, eu sabia que ela sustentava e impulsionava o mundo, mas eu não havia imaginado que ela fosse acessível. Há em mim mais do que eu. Há em mim um eu que não sou eu, mas que não me é estranho. Há em mim um todo que me ultrapassa e me constitui, um todo desconhecido de onde parte todo conhecimento, um todo incompreensível que torna possível toda compreensão, uma unidade da qual eu derivo, um Pai do qual eu sou filho (...)

Sei que é covardia comparar Mac com o sanduíche do Dudu-Lanches aqui de Minas, Jesus com o melhor dentre os comuns dos mortais, etc. Brincadeira! rsrsrssr

Falando sério agora: o buraco é mais em baixo ou não é? Bem mais em baixo... pro-fuuudo....

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