sábado, 31 de maio de 2008

Sichuam é aqui dentro do peito e um chinês é cada um de nós

Sichuam é aqui dentro do peito e um chinês é cada um de nós Miguel Garcia







Quem está fraco, que eu não me sinta fraco? Quem não se escandaliza, que eu não me queime por dentro? 2 Co11:29

Com essas palavras o apóstolo Paulo externou sentimentos de profunda simpatia pelos sofredores - que participava emocionalmente das debilidades dos homens sentindo suas aflições e lamentos, bem como suas tentações e quedas. Atitude harmoniosa a desse imitador de Cristo!

Paulo sabia que o Deus pessoal a quem reproduzia, tem coração, percebe a queda ao chão até mesmo dos pardais, como também conhece o número de cabelos que possuímos, Ele se lembra do homem, que este não passa de pó.

Sem dúvida Paulo imitou a atitude Divina, sabendo cultivar a arte de fazer-se pai-e-mãe de de seus afilhados, refletiu o padrão mais elevado, a saber, o do Deus encarnado.

Esse homem singular sentia incisivamente todas as fraquezas de seus irmãos. O que acontecia a outrem incidia sobre ele assim como incide o olhar que a luz do Sol lança sobre as águas, atravessando... Um passo em falso que fosse ou frustrante queda de outrem machucava os sentimentos de Paulo, arranhava desenhando hematomas doloridos em seu coração. Chegava mesmo a sentir vergonha e tormento pelos pecados e desassossegos de seus filhos espirituais. Foi possuidor de tão grande inquietação pelos seres humanos que se enchia de fúria quando de alguém se desviar da sã doutrina, cair em pecado ou atrair uma desgraça qualquer contra si. Paulo e seu coração magnânimo, um pastor verdadeiro.

Isso posto, digo, o exemplo desse missionário exemplar, o que dizer a respeito dos últimos acontecimentos em Sichuam? Como conformar a alma à realidade quando assistimos a uma catástrofe dessa magnitude? Não podemos permitir que condicionamentos mentais - reducionismos na abordagem de questões tão complexas - modelos mentais fragmentadores sufoquem o entusiasmo da fé e paralisem o crescimento na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. O cristão não sufoca, orar é ainda respirar. O cristão não se porta como o fatalista, o determinista, para o qual só há necessidade, seu Deus é a possibilidade pura - ausência de necessidade, isso escapa a todos os esquematicismos mentais limitantes, ultrapassa a capacidade dos mortais.

Em outro de seus muitos atos de coragem e humildade Paulo oferece-se como modelo, referência, centro gravitacional para aqueles a quem ele considerava gerados por si, ou ainda, uma pedaço de si mesmo, o que nos leva a perceber uma peculiaridade no modo de amar desse evangelizador, ele amava feito mãe. Chegou mesmo a suplicar: “... Sejam meus imitadores...” - fala tão feminina como a de seu Deus Feminino: “Se eu pudesse fazer à Jerusalém o que uma galinha faz a seus filhotes, acolhendo sob as asas!....

Essas e outras representações mentais vêem amantando o corpo de minhas afetividades, contudo, assim que li os jornais e assisti os noticiários televisivos, ao tomar consciência do número de mortos, feridos e desabrigados na China, petrificado ante ao crescente número de órfãos, ante ao rude aspecto de corpos humanos inanimados, somados a destroços e ferragens retorcidas, todo esse absurdo, esse assombro, toda essa abdução..., meu sentimento viu-se também fraturado, desvalido, sepultado...

Contemplar tudo isso rompeu as comportas dos meus olhos, revolveu meus ouvidos, descobriu a pele percepções sonegadas e me transmutou. Agora sei, Sichuam é aqui dentro do peito e um chinês é cada um de nós.

A violência desse tremor de terra que abalou o sudoeste da China propagou tanto sua força destruidora que fez vibrar corações ao redor do planeta. Sichuam não é mais do outro lado do mundo, esse horror aconteceu aqui, essa aniquilação em massa, essa extinção deu-se na medula dos sentimentos de todos nós, sacudindo a emoção, interrogando nossas certezas.
Esse Tsuname não vindo do mar, tampouco do céu, isso que avançou rugindo sobre os irmãos chineses, fez-nos despencar de cama branda em plena madrugada, ateou fogo em leitos de rosas e a partir de agora, comovidos e despertos, oremos, sejamos dadivosos, convertamo-nos na carne lesada e alma aflita de nossos irmãos asiáticos, sustentemo-los com o pão do céu e da terra, untemos suas feridas, sejamos pois imitadores do Paulo que o foi de Cristo, pois o Deus encarnado tem coração, Ele é Deus-Pai-e-Mãe-de-Misericórdia infinita - ama com afetos profundos, amemos:
Oremos:

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai de misericórdias e Deus de toda consolação, que nos conforta em toda adversidade para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com o amparo com que nós mesmos somos contemplados por Ele, porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor, assim também o nosso bem-estar transborda por meio de Cristo.

Oh Ressurreição e Vida nossa! Nossa e também de todo aquele que venha a crer no Teu nome. Coube-nos o privilégio de testemunhar que para o cristão a morte de modo algum é o fim de tudo, que ela implica infinitamente mais esperança do que a vida possa comportar, até mesmo quando saúde e força transbordam, te somos agradecidos Pai/Mãe.
Dá-nos da forma do Teu ser nesse mundo, como no mistério pelo qual o Filho de Deus encarneceu aqui... Tua natureza na nossa... unidos como siameses de um só coração.
Só então o mundo inteiro saberá a respeito do modo magnânimo como o cristianismo ensina a pensar e agir sobre todas as coisas do existir, incluindo a morte.
Pai-e-Mãe que nos livrou de tão grande perdição - a doença do espirito; em quem temos esperado que ainda continuará a livrar-nos”.
Que nas águas malvas de um crepúsculo qualquer (posto que ainda há tantos desabrigados), Teu silêncio reconfortante - esse que por Tua graça vem nos nutrindo a cada dia, que encontramos no fundo ou no raso da prece, com duas mãos juntas sob um céu estrelado, ou simplesmente descançando em teu poder, alcance esse mar de irmãos chineses engrossado por tantas dores e perdas, mais depressa que um rio.. mais depressa que o anseio sincero de vê-los sorrindo mais uma vez, quem sabe por razões até bem mais felizes do que por felicidade qualquer - de que o Sumo-Bem tenha finalmente sido alcançado...
Amém.

(Incorporei a essa oração alguns trechos dos escritos de Paulo na segunda carta aos Coríntios capítulo primeiro).




2 comentários:

Anônimo disse...

Meu Deus! Ao ler esse texto senti-me fertilizada por uma sensibilidade imensa....

Penso que em breve darei à luz frutos de pura beleza, tais como os que encontrei aqui.

Um ósculo a ti poeta,

Naomi Ivans

Anônimo disse...

Orei contigo querido poeta!

Quanta coisa bonita nesse teu Blog!

Parabéns, sorte a nossa!

Beijo enorme,

Talía Ramos