quinta-feira, 22 de maio de 2008

JUSTIÇA SOCIAL – BRADO DE GUERRA DOS PROFETAS DE ISRAEL

JUSTIÇA SOCIAL – BRADO DE GUERRA DOS PROFETAS DE ISRAEL



"‘Escolha um rei para nós; veja que todas as outras nações têm seu rei’, disseram os chefes de Israel. Samuel não ficou contente com esse pedido de um rei, e orou ao Senhor pedindo conselho. ‘Faça o que eles pedem’, respondeu o Senhor, ‘pois é a Mim que rejeitam, e não a você – eles não querem mais que Eu seja o Rei deles.... Faça conforme eles pedem, mas também não deixe de avisar a eles, com toda seriedade o que é ter um rei!’. Assim, Samuel contou ao povo o que o Senhor tinha dito: ‘Se vocês insistem em ter um rei, ele vai convocar os seus filhos, e esses rapazes terão de correr na frente dos carros do rei; alguns serão obrigados a chefiar os soldados do rei na guerra, enquanto outros trabalharão como escravos; serão forçados a cultivar os campos do rei, e fazer as colheitas, sem receber pagamento; terão de fabricar armas para os soldados e equipamento para os carros de combate. Ele vai tomar suas filhas e obrigará essas moças a cozinharem para ele, fabricar pão e perfumes. Tomará de vocês o melhor dos seus campos e das suas plantações de uvas e de oliveiras e dará essas propriedades aos amigos dele. Tomará a décima parte das colheitas de vocês, e dará aos seus amigos prediletos....Vocês terão de entregar a ele a décima parte dos seus rebanhos, e serão escravos do rei. Vocês vão chorar lágrimas amargas por causa deste rei que estão exigindo, mas o Senhor não virá ajudar vocês’. Porém o povo não quis atender ao aviso de Samuel. ‘Mesmo assim, ainda queremos um rei’, eles disseram, ‘porque desejamos ser iguais às nações ao nosso redor. Ele nos governará, e nos conduzirá à guerra’. Samuel contou ao Senhor o que o povo havia dito, e o Senhor respondeu novamente: ‘Então faça conforme eles pedem, e dê a eles um rei’ ". (I Sm 8:1-22)


"Oh Israel! Vocês produziram a sua própria desgraça!. Só Eu poderia salvá-los! Onde está o seu rei? Por que não pedem ajuda a ele? Onde estão as autoridades do país? Vocês pediram um rei e príncipes! Agora, eles que tratem de salvá-los" (Oséias 13:9,10).[nota: Os extratos acima remontam a 600 e 800 AC, respectivamente, talvez os mais antigos registros anárquicos conhecidos]


1. Porque a religião cristã traz atrás de si um rastro de sangue na maior parte de sua trajetória na história?

2. Qual a relação entre os apelos dos profetas, o ensino de Jesus e aquilo que se convencionou chamar de "religião cristã"?

3. Se Deus é um Deus de justiça, o que Igreja cristã tem a dizer sobre a apologia à obediência aos governos, e a tolerância ao escravagismo presente nas cartas de Paulo?

4. É possível a justiça na terra?

5. Qual a gravidade do exercício do poder de um homem sobre outro?

6. O poder humano é a fonte do mal?

7. Qual a compatibilidade entre os governos aqui na terra e o Reino de Deus?

8. Quando os cristãos se tornam foras da lei?

9. O que desencadearia hoje uma implacável perseguição aos cristãos?

10. Como deve ser compreendida a recomendação dos apóstolos de obediência às autoridades se muitos deles morreram em tempos de perseguição e principalmente por desobediência às autoridades constituídas?

12. Porque os cristãos não são mais perseguidos pelo Estado?

1. Porque a religião cristã traz atrás de si um rastro de sangue na maior parte de sua trajetória na história?

A própria natureza humana é o maior indicativo da loucura que representa o exercício do poder de um homem sobre outro.

Os profetas hebreus do oitavo ao sexto século AC deram uma grande contribuição para a compreensão da universalidade de Deus, exigindo retidão dos homens em seus contatos uns com os outros, e justiça na ordem social em geral – nas atividades econômicas e nas relações das nações umas com as outras. Amós, Miquéias, Oséias e Isaías foram os que mais veementemente expressaram a exigência divina de justiça na vida da comunidade, convocando os israelitas tanto individualmente como a nação como um todo ao arrependimento. "Amós e Miquéias, no oitavo século AC, denunciaram a injustiça social e econômica e proclamaram a justiça de Deus. [...] A mesma justiça, declaravam, deve prevalecer entre os homens" [Como nos veio a Bíblia. Edgar Goodspeed, p.36].
Todavia, comparando essa postura libertária dos profetas com os líderes cristãos históricos e modernos notamos divergências em relação às autoridades políticas. Enquanto a visão dos profetas enfatizava, concernente aos governantes de Israel, que Deus condena sua injustiça; na visão paulina, acatada pela maioria dos sacerdotes cristãos, a autoridade política terrena deve ser tida como obra de providência divina, assim, os governantes teriam direito à obediência.

Contudo, essa atitude de obediência às autoridades políticas nunca foi corroborada por Jesus, nem em palavras, nem tampouco em ações. Uma nova sociedade implantada a partir do homem renascido interiormente, e não a partir de reformas políticas exteriores, de forma alguma poderia estar sujeita às autoridades terrenas. À luz de Seus ensinamentos sobre o Reino de Deus, o famoso dístico de Jesus: "Dêem ao imperador [César] o que é dele; e a Deus o que é de Deus", (Mc 12:17) longe de ser um endosso, deve ser compreendido como uma recusa às pretensões de César. Ou seja, se teu senhor é César, "dê a César o que é de César", se o teu Senhor é Deus, "dê a Deus o que é de Deus". A pergunta capciosa formulada pelos inimigos de Jesus sobre se era correto ou não pagar impostos não admitia nem "sim" nem "não".

Se Jesus respondesse "sim", ele estaria contradizendo seus ensinamentos sobre o Reino de Deus, sobre "a casa dividida que não permanece de pé", sobre "o servir a dois senhores", sobre construir uma casa "sobre a rocha", e daí por diante. Se Jesus respondesse "não" ele seria imediatamente preso por incitar a desobediência às leis romanas.

Basta olhar para a História, para ver o sofrimento que governantes provocam aos governados em suas guerras por poder, riquezas, glória. E sempre pagos pelos impostos. Jesus jamais patrocinaria derramamento de sangue.

O shekel, moeda adotada pelos judeus, ao contrário dos outros povos ao redor, raramente trazia imagens humanas cunhadas em suas faces. Aquela figura de César na moeda como também seus dizeres eram uma afronta não apenas à fé judaica como também ao Reino de Deus pregado por Jesus. Além do mais, Jesus nunca demonstrou muita simpatia pela moeda romana. Poucas vezes o vemos tão agressivo como quando, diante do Templo, parte para cima dos cambistas, indignado pelo roubo praticado na troca das moedas judaicas pela moeda romana, obrigatória na compra dos animais que seriam sacrificados.

Portanto, no que diz respeito ao Reino de Deus na terra, nada deve ser dado a César, pois nada pertence a ele, mesmo que o rosto de César esteja cunhado em uma moeda onde se lê: "AVCF AVGVSTVS TI CAESAR DIVI", e: "MAXIM PONTIF". Embora esses dizeres reivindiquem divindade e toda autoridade para César, tudo aquilo que ele ostenta: propriedade, autoridade, poder ou glória, por ser usurpado, é ilegítimo. Portanto, a César não se deve prestar nem obediência enquanto Imperador, nem culto enquanto divindade.

Não foram poucos os teólogos cristãos a abordar esse tão importante tema com a devida seriedade que ele merece. "Não podemos alegar ignorância dos tristes e lamentáveis resultados obtidos com o culto do estado, dos ditadores, dos imperadores, da raça, da classe, da riqueza, do poder, da ciência, ou de qualquer outra criatura". [Alan Richardson. Apologética Cristã. p.179].

"O desejo de cultuar o homem (a criatura) parece estar hoje mais disseminado do que nos séculos que se foram. O colapso da fé no cristianismo tradicional deu lugar a um dilúvio de idolatria ainda mais grave que os excessos de superstição nominalmente cristã... Voltaire, Helvetius, Huxley e Haeckel, todos trabalharam por destruir a fé que o homem tinha na divindade de um Ser indubitavelmente bom. E conseguiram isso de tal modo que os homens hoje crêem na divindade daqueles que são indubitavelmente maus." [Raimundo Mortimer, em The New Statesman and Nation, 16 de maio de 1936, citado na p.179 da obra acima].

Nicolas Berdyaev, o eminente intérprete ortodoxo oriental do cristianismo, ele próprio um exilado vítima do capitalismo estatal russo, escreveu: "Os cristãos que condenam os comunistas por seu ateísmo e perseguições anti-religiosas, não podem lançar toda a culpa somente sobre esses homens sem Deus: devem atribuir parte da culpa a si mesmos, e parte bem considerável. Não devem ser apenas acusadores e juizes, devem ser penitentes também. Tem os cristãos feito muito para o estabelecimento da justiça cristã na vida social? Têm eles lutado para realizar a fraternidade dos homens sem aquele ódio e aquela violência de que acusam os comunistas? Os pecados dos cristãos, os pecados das igrejas históricas, tem sido muito grandes, e estes pecados trazem consigo seu justo castigo" [Nicolas Berdyaev, The Origin of Russian Communism, pp 207-208, citado em Fé Bíblica e Ética Social. Gardner, p.331]
2. Qual a relação entre os apelos dos profetas, o ensino de Jesus e aquilo que se convencionou chamar de "religião cristã"?

Nenhuma. A obediência às autoridades, a submissão de escravos ou escravos assalariados aos seus senhores e patrões, tão natural no mundo cristão, nada tem a ver com o ensino de Jesus.
Não se sabe exatamente como essa cultura de obediência se alastrou na prática cristã. Talvez por causa dos conselhos contidos nas cartas de Paulo, alguns absolutamente inaplicáveis fora de seu contexto original.

Edgard Goodspeed, doutor em Teologia pela Universidade de Chicago, traz luz a esse tema referindo-se às cartas de Paulo e sobre como elas foram parar no Novo Testamento: "As primeiras coisas a serem escritas entre os cristãos foram as cartas de Paulo. Ele as escreveu para ajudar o povo, em suas igrejas novas e lutadoras, a ter uma interpretação sadia da nova experiência religiosa à qual ele os havia introduzido. Os problemas tratados eram imediatos, locais e muitas vezes pessoais e ele os apresentou direta e vigorosamente. Ele não tinha idéia de que fosse produzir literatura, muito menos uma escritura. Seus escritos eram simplesmente pessoais ou cartas a grupos, destinados a produzir efeito prático imediato e então desaparecer. E isto elas realizaram. Foram escritas entre 50 e 62 AD, e então evidentemente desaparecem, pois o mais antigo evangelho, que veio à luz entre 70 e 90 AD, mostra desconhecê-las". [Como nos veio a Bíblia, Edgar Goodspeed, p. 69].
Goodspeed defende que aquelas cartas eram desconhecidas entre as igrejas e que Paulo possuía alguns pontos de vista próprios a respeito de Cristo, que não encontram reflexo nem em Marcos, nem Mateus ou Lucas. "Parece que ninguém pensou em colecionar as cartas que porventura pudessem ainda ser encontradas até o aparecimento de Lucas-Atos, com sua notável descrição de Paulo – em suas jornadas e seu trabalho missionário, diante das cortes e multidões, em meio a tumultos e naufrágios. De fato, foram provavelmente as narrativas sobre Paulo em Atos que impulsionaram alguém a procurar as cartas de Paulo que ainda sobreviviam, e publicá-las" [idem, p. 71].

É possível que o propósito de Paulo, ao recomendar, sob ferros, a obediência dos cristãos livres aos seus governos, dos escravos aos seus senhores, não teve outro intento a não ser zelar pela segurança daqueles poucos que ainda professavam a fé cristã. Ninguém deveria se lançar em uma aventura. Ninguém melhor que Paulo sabia o que representava o poder de César naqueles dias de celas apinhadas de presos políticos e escravos foragidos. Especialmente diante da perseguição desencadeada por Nero. Tanto que, na carta dirigida a Filemom, Paulo chega ao ponto de assumir a nada honrosa responsabilidade de enviar de volta o escravo fugido Onésimo para seu senhor Filemom.

3. Se Deus é um Deus de justiça, porque recomendar obediência aos governos, e tolerância ao escravagismo?

Nada é mais precioso que a própria liberdade. Onde não há liberdade não há justiça, onde não há justiça não há Deus.

Libertar-se não é apenas sair do jugo do poderoso, mas também despojar-se de todo desejo de dominação sobre outros.

Na verdade, as majestosas pirâmides de poder de grandes instituições e corporações modernas como FMI, BM e OMC, que fecham um círculo de império econômico e político sobre todas as nações e governos do mundo, no fundo, apenas refletem os micro poderes e as teias de autoridade que permeiam os relacionamentos dentro da sociedade. Assim, o poder não emana do povo, o poder é exercido contra o povo na medida que é legitimado por aqueles que exercem ou almejam exercer algum tipo de poder sobre outros. Por isso Cristo teve tanta dificuldade em disseminar essa idéia entre os ricos e poderosos, o mesmo não acontecendo entre ladrões, pobres e prostitutas. Uma vez "renascido", tudo o mais ruiria como um castelo de cartas. "O reino desse mundo já passou a ser de Nosso Senhor e de Seu Cristo e Ele reinará para sempre".

É absolutamente necessário que todas as relações humanas se libertem tanto dos instintos de dominação e autoritarismo como também das práticas de exploração econômica do trabalho humano.

Uma sociedade que aceita e tolera a escravidão ou a escravidão assalariada jamais se libertará de seus governantes, pois tal sociedade precisa de seus arsenais de derramamento de sangue para manter pela força este estado de injustiça. Antes de pensar em se livrar de seus governantes e abolir a escravidão ou a escravidão assalariada, cada membro dessa sociedade precisa primeiro olhar para si próprio, substituindo competição por solidariedade, e hierarquia por autogestão.
Enquanto não prevalecer uma opção individual que supere o escravizar e tornar-se escravo, sobrará injustiça, conflitos, ódio e guerras por toda parte. Portanto, o primeiro campo de batalha localiza-se no plano pessoal. É necessário uma conversão, uma mudança de rumo por parte de cada homem.

Porque será que alguns trabalhadores almejando tornarem-se chefes ou encarregados nunca participam de greves lutando por justiça? Porque tanto milionários como miseráveis exploram miseráveis? Antes de libertar-se de seu amo, cumpre libertar-se de si mesmo. Inútil incitar a revolta de um escravo que possui a mesma mentalidade de seu amo.

Em meados do primeiro século, o escravo Félix, através de favor político obteve sua liberdade tornando-se mais tarde governador da Judéia. Tão cruel quanto tirano, no exercício do poder mostrava as mesmas disposições de um escravo. [Tácito, Hist. 5.9; Anais, 12.54]

A solução para o problema do poder virá apenas quando cada ser humano, rico ou pobre, senhor ou escravo, governante ou governado, compreender que não é correto em nenhuma circunstância que um homem tenha domínio sobre outro, ou, passivamente, se deixe dominar ou explorar. Enquanto alguém exercer ou pensar em exercer poder sobre seus semelhantes forçando-os à obediência, mulher, filhos, empregados, seja lá quem for, é inútil incitar a revolta ou desobediência contra patrões ou governo. Tais pessoas, com razão, serão chamadas de autoritárias e não serão levadas a sério. Governo e poder tem que ser, sim, erradicados em toda parte, mas de baixo para cima, começando por dentro de nós mesmos.

4. É possível a justiça na terra?

Sim. Senão não teria sentido o significado do Reino de Deus na terra anunciado por Jesus, ou seja, a ausência de homens dominando ou explorando outros homens. O Reino de Deus anunciado pelos Profetas e pregado por Jesus é, na pior das hipóteses, uma sociedade livre de sistemas de governo ou formas de exploração.

O domínio de um ser humano sobre outro é ilustrado como uma maldição pelo Livro de Gênesis 3:16;20, "...ele [Adão] terá domínio sobre você...; [Eva]... a mãe da humanidade toda", e tem o outro lado da moeda revelado em João 1:14, "A Palavra se fez carne e morou entre nós", quando Deus abre mão de seu poder e glória tornando-se igual aos outros homens. Cristo torna-se um ser humano como qualquer outro e mora aqui na terra entre nós. A "Palavra", a sabedoria e o poder de Deus, a causa primeira de todas as coisas; a expressão pessoal do próprio Deus para com os homens coloca-se como um humano a ser imitado, não como um superior hierárquico a ser obedecido.

Jesus ilustrou isso claramente na parábola do pai pródigo. Dois irmãos cegos pela herança são incapazes de ver o amor do pai. Impaciente, o filho mais novo pede sua parte com antecedência e torra todo o dinheiro. Volta arrependido algum tempo depois e é recebido com festas pelo pai, para revolta e desespero do irmão mais velho que esperava a morte do velho para tomar conta de tudo sozinho. (Lucas 15:11-31). Nos filhos, vemos a natureza humana sedenta por poder e riqueza, e no pai, alguém que faz questão de preservar a liberdade de seus filhos, sem, contudo, deixar de amá-los, mesmo quando estes se mostram indignos de seu amor.

Toda a vida e ensinamento de Jesus, visando o estabelecimento do Reino de Deus, contem a mensagem profética de que todos são como irmãos de uma mesma família e que nada justifica o poder e o domínio de um sobre outro. (Mateus 23:8; Atos 17:26; Ef. 2:17-19; Gal. 3:28)

5. Qual a gravidade do exercício do poder de um homem sobre outro?

A maior possível, Apenas Deus é digno de poder. Se Deus fez o homem conforme Sua semelhança, cada homem herda essa vida que está em seu Pai e Criador. "Deus criou o homem à imagem do seu Criador, Deus fez o homem conforme a semelhança dele. Deus criou o homem e a mulher." (Gênesis 1:27).

Contudo, essa herança de vida foi apagada pelo próprio homem no momento em que ele resolveu assumir o papel de Deus. A única coisa proibida no Jardim do Éden seria comer "a fruta da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal", a fruta do domínio e do poder sobre outros. "Só a fruta da árvore que está no meio do jardim é que não podemos comer... não podemos nem pôr a mão nela". (Gênesis 3:2-3).

O homem, criado livre para fazer o que quisesse, não deixaria de pagar um preço se praticasse o mal. Em matéria de pecado, houve apenas um – o brincar de deus, tomar para si o poder sobre outros homens, fazer aos outros o que não desejava para si, todos os demais pecados derivam desse.

O Jardim do Éden, portanto, representa todo um universo diante do homem, para seu deleite, para que dele fosse extraído todo o prazer e satisfação possível e imaginável. Mas a liberdade e a justiça não seria dada nem imposta, seria simplesmente preservada e usufruída em repúdio ao cativeiro e à exploração.

6. O poder humano é a suprema fonte do mal?

Sim. Não existe nada pior que o exercício do poder de um homem sobre outro. "Ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo", significa que todo poder glória e honra devem ser dados somente a Deus, o Pai e Governador de todos nós, Seus filhos. A obediência prestada unicamente a Ele, tem como resultado a liberdade, a justiça e o amor.

Tudo o que é contrário à vontade de Deus é pecado, "toda injustiça é pecado" (1 João 5:17). A subida de qualquer homem ao poder, e suas conseqüências, tem tudo a ver com a vontade do homem e nada com a vontade de Deus. (I Samuel 8:1-22; Oséias 13:9,10)

É desnecessário citar aqui as inumeráveis ilustrações apontando o poder humano como fonte do mal, inclusive dentro da igreja histórica. Que foi a Santa Inquisição senão exercício de poder de homens sobre outros?

O vocábulo Tannim usado no Velho Testamento significa animal comprido como uma serpente e serve para simbolizar o poder do Egito, (Is 51:9; 27:1). O capítulo 13 do Apocalipse bem como Daniel 7, descreve uma coligação dos poderes da terra contra o Reino de Deus, representados pelo dragão, ou serpente.

Lembram as palavras da serpente dirigida aos humanos no Jardim do Éden? "Vocês ficarão como Ele", ou iguais a Ele em poder. Porque não ter poder sobre nossos semelhantes? Ou ainda, porque não ser o Baal (Possuidor ou Senhor) da raça humana. Porque não ser objeto de adoração e glória?

Em nossos dias, quem são essas poderosas duzentas famílias dirigentes das 15 corporações que governam o planeta? Não são elas que detém mais da metade do PIB mundial como sua propriedade particular? Não são a versão moderna de deuses baalins diante dos quais se curvam quase todos os habitantes da terra?

O que é um sistema de governo senão um sistema onde homens são escravos de si mesmos? Que é o mundo da liberdade senão o mundo onde homens são livres de si mesmos? "Deveríamos chamar de liberdade a que constitui verdadeiramente o ato humano. Esta não se limita na de ninguém, é ilimitada, porque sua ação é ética e não promove restrições a quem quer que seja. Essa liberdade é inimiga dos poderosos. E eles sabem disso, por isso a negam. O caminho da liberdade é o da prática da própria liberdade. É com a prática da liberdade que formamos homens livres. Liberdade não é ausência de restrições; é responsabilidade, opção e livre aceitação das obrigações sociais" [Jaime Cubero, citado no n.1 da Revista Centelha, 1998].

A ação é ética quando não faz aos outros o que não deseja para si e quando faz aos outros o que deseja para si.

Governo significa ter poder ou autoridade sobre alguém. Liberdade não significa ausência de restrições, mas responsabilidade, opção e livre aceitação de obrigações sociais. Assim foi no Jardim do Éden, "Você pode comer qualquer fruta do jardim, menos a fruta da Árvore do Bem e do Mal".

Havia Deus, mas não havia o governo de Deus que obriga; havia a Justiça de Deus livremente acordada entre os homens, com homens governando coisas não homens governando homens. Com Justiça haveria liberdade. Mas havendo liberdade para se fazer tudo, haveria também a possibilidade de fazer aquilo que não deseja para si, do homem governar outro, e foi exatamente essa a proposta da astuta serpente. "‘É mentira!’, contestou a serpente. ‘Deus sabe muito bem que se vocês comerem essa fruta, no mesmo instante vocês ficarão como Ele’...". (Gênesis 3:4-5), ou seja, terão poder e autoridade sobre os homens.

Comparando com as condições antes da Queda, é arrasadora a maldição que caiu sobre a serpente: "passar a vida inteira rastejando" e "comendo pó" (Gênesis 3:14-15). O que poderia acontecer de pior a quem propõe a glória e o domínio sobre outros do que rastejar e comer pó?
E o que dizer da maldição lançada sobre Eva, a mãe dos humanos, representando toda raça humana? "...Ele [Adão] terá domínio sobre você" (Gênesis 3:16). Qual a condição dos povos em um mundo onde cerca de 200 famílias detém para si mais da metade do PIB mundial? A maldição do poder, do governo.

A cena de Jesus no deserto, diante "[d]as nações do mundo e toda a glória delas" e a sutil proposta de Satanás "eu lhe darei tudo isso", representa não apenas a tentação de ser hierarquicamente superior ao semelhante, mas de governar seu povo ou, talvez, todas as nações da terra. O ato de ajoelhar-se e adorar o mito Satanás, significa, na verdade, adorar a si mesmo e obrigar outros pelo poder, propriedades ou dinheiro, se submeterem e obedecer à sua pessoa.

Todo governante acredita ser superior aos governados, e, portanto, digno de honras e louvores. "A seguir, Satanás levou Jesus ao alto duma montanha muito alta e mostrou-lhe as nações do mundo e toda a glória delas. ‘Eu lhe darei tudo isso’, disse ele, ‘se Você apenas ajoelhar-se e me adorar’. ‘Saia daqui, Satanás’, disse-lhe Jesus. ‘As Escrituras ordenam: ‘Adore somente ao Senhor Deus. Obedeça somente a Ele.’" (Mateus 4:8-10)

7. Qual a compatibilidade entre os governos aqui na terra e o Reino de Deus?

Nenhuma. Os cristãos sinceros podem viver esse Reino de Deus aqui na terra sob um único governo, o governo de Deus. Nunca sob o governo do homem. Submetendo-se sempre a Deus nunca ao homem. Aceitando e praticando os ensinamentos de Jesus. Fazendo parte do Reino de Deus a partir daqui mesmo da terra, em vida. [Vide obra de Whale: The Kingdon of God Begin Now].

A pátria, geralmente compreendida como um espaço geográfico onde há um sistema político, econômico e social, e que tem como principais colunas de sustentação a propriedade privada dos meios de vida, religiões institucionalizadas, grandes corporações capitalistas, e o governo que obriga todos nas escolas a respeitar tudo isso desde tenra idade, é para o "nascido de novo", segundo podemos deduzir dos ensinamentos de Jesus e dos profetas que o antecederam, nada mais que um estranho e daninho mundo com o qual os cristãos sinceros não devem colaborar nem contribuir para sua continuidade.

O Reino de Deus é apresentado como uma dimensão plena de vida, concreto, presente, real, a ser exercida e usufruída a partir de já. Como uma festa de vida para a qual fomos convidados a participar, independente de raça, cultura, condição social ou nacionalidade.

Opondo-se frontalmente ao formalismo e legalismo das religiões que não saem dos aspectos exteriores e da aparência, Jesus pregava uma verdadeira metamorfose individual em cada pessoa. Não se tratava de uma reforma política nem de uma ideologia, religião ou um punhado de regras para o ser humano obedecer e seguir. Mas de um novo nascimento. Consequentemente, uma sociedade oposta à anterior, em todos seus aspectos, político, social, humano, econômico. O Reino de Deus anunciado por Jesus, longe de ser um aglomerado de religiosos insossos regidos por um amontoado de rezas e leis impossíveis de serem observadas, representava algo inédito na história da humanidade: um universo de justiça, paz e liberdade.

No plano individual, cada homem se tornava como sal da terra, personalidades ricas, interessantes, criativas. No coletivo despontava uma nova sociedade plena em diversidade, mas liberta da escravidão, da competição predatória, das classes sociais, dos preconceitos e principalmente do medo da morte. Mas esse novo homem não viria sem um preço, não viria sem que houvesse reação contra ele. O Novo Homem seria rejeitado da mesma forma que um órgão estranho implantado é logo rejeitado pelos anticorpos do organismo. Assim foi com o próprio
Cristo na sociedade em que viveu.

As Boas Novas que situava todos os homens no "mesmo nível, como irmãos" (Mateus 23:8), resultou, como não poderia deixar de ser, em uma séria preocupação entre aqueles que detinham o poder no império Romano, a propriedade privada dos meios de produção, o monopólio da terra e escravos. "Todos os crentes eram um só na mente e no coração, e ninguém pensava que aquilo que possuía era seu próprio; todo mundo estava repartindo o que tinha". (Atos 4:32).

Não se tratava de mais uma religião ou filosofia, ideologia ou reforma política. As palavras de Jesus repercutiram na vida dos homens de tal forma que a própria sociedade acabava visceralmente afetada. "Não havia pobreza – pois todos os que possuíam terras, ou casas, vendiam tudo e traziam o dinheiro para que os apóstolos dessem aos outros em necessidade".
(Atos 4:34,35)

Embora os corações de muitos cristãos sinceros (a verdadeira e genuína igreja) tenham sido assim durante esses últimos dois mil anos, infelizmente a Igreja Cristã histórica não foi assim durante os primeiros sessenta anos da era cristã e não é assim até nossos dias. A triste realidade é que a pregação de Cristo, da mesma forma que a dos profetas que o antecederam, acabou distorcida, adequada e adaptada às mais baixas paixões humanas e às exigências e necessidades dos poderosos e governantes da terra.

A salvação de Cristo torna a vida plena e valorizada, não pelo poder ou pela exploração, nem pela submissão à vontade dos governos ou desígnios dos homens, mas por alinhar-se completamente à vontade do Pai, fonte de liberdade e justiça. Dessa forma, o Reino de Deus é não apenas incompatível com o Reino ou o governo dos homens, como também antagônico e diametralmente oposto a ele. "Não se pode servir a dois senhores, ou se obedece a um ou se aborrece ao outro", "uma casa dividida não permanece em pé".

A perseguição impetrada pelo governo romano aos cristãos se acirrou quando a prática cristã se constituiu em ameaça ao poder estabelecido. Uma reação típica de qualquer governo ao se sentir ameaçado.

O Reino de Deus, todavia, não fica restrito apenas ao plano material, transcende-o, ultrapassa-o e estende-se também ao plano espiritual, pois "o Reino deste mundo agora pertence ao Nosso Senhor e ao seu Cristo; e Ele reinará para todo o sempre" (Apocalipse 11:15).

8. Quando os cristãos se tornam foras da lei?
No momento em que eles se submetem ao Reino e ao governo de Deus, mesmo que isso lhes custe a vida.

As principais perseguições sob o Império Romano foram:

Sob Nero. Esta perseguição no ano 64 AD era a ação dum maníaco que teve crueldade suficiente para assassinar sua própria esposa e sua mãe. O fato de haver incendiado Roma indignou o povo e, a fim de livrar-se da culpa, anunciou que tinham sido os cristãos os causadores do incêndio. A esta afirmação seguiu-se uma cruel e intensa perseguição dos cristãos, e desde aquele tempo a Igreja Cristã corria grande perigo.

Sob Trajano. A perseguição neste período concentrou-se na província de Bitínia, onde governava um jovem, conhecido como Plínio, o Menor. Os cristãos eram compelidos a negarem sua fé e se se recusavam, eram mortos. Qualquer pessoa que desse informação acerca deles recebia parte da propriedade dos cristãos. O resto ia para o Estado. De maneira que havia um grande número de pessoas que estavam prontas para falar contra os cristãos, e muitas centenas de cristãos morreram como resultado disso.

Sob Diocleciano. A primeira grande perseguição organizada deu-se sob o governo de Décio. Este ordenou que todas as pessoas sacrificassem aos deuses do Estado. A recusa significava a morte. Muitos foram mortos, pois acreditava ele que, se o povo fosse roubado de seus melhores líderes, ele havia de render-se logo ao Estado. Seu amigo Valério, que lhe sucedeu alguns anos mais tarde no governo, continuou com a perseguição. Quando Valério foi levado cativo pelos persas, os cristãos tiveram alguns anos de paz. A mais severa perseguição, porém, deu-se no ano 303, quando Diocleciano era Imperador. Durante alguns anos ele foi amigo dos cristãos e tinha alguns deles ocupando os postos mais altos no governo. Porem seu amigo Galério o persuadiu a voltar-se contra os cristãos. Galério estava ansioso para suceder no governo a Diocleciano, e sabia que, para conseguir isso teria que ter o exército do seu lado. O exército romano era contra os cristãos e Galério desta maneira ganhou-os para seu lado.

Os líderes romanos condenaram o Cristianismo à ilegalidade.
Era um desafio para a religião reconhecida. A religião do Estado tornou-se a adoração do Imperador. Mas os cristãos recusaram-se a acrescentar qualquer adoração à sua crença, pois sabiam que deviam adorar só a Deus e a Seu filho Jesus Cristo. Sua recusa de negar a fé, sua resistência em lançar um pouco de incenso no altar pagão, era punida com prisão, tortura e morte.

Os ensinamentos de Jesus ameaçavam a segurança do Estado. Cada vez que uma calamidade atingia os romanos acreditavam ser devido a indignação dos deuses por os cristãos não quererem adorá-los. A derrota nas guerras significava que os deuses não mais estavam do seu lado. Se Roma perdesse seu poderio, a culpa seria dos cristãos. Além disso, os cristãos recusavam-se a lutar no exército romano. Cada soldado romano tinha que fazer um juramento de fidelidade ao Imperador, que era igual a pagar-lhe honras divinas. E nenhum cristão podia fazer isso. Também não tiveram nenhum interesse nos lugares de divertimentos e nos banhos públicos, onde se praticavam costumes pagãos. Não podiam tão pouco tomar parte em realizações cívicas onde os magistrados invocavam as divindades pagãs. Devido a seus princípios cristãos os seguidores de Jesus afastavam-se sempre mais da vida pública.

O Cristianismo estava se tornando uma ameaça ao comércio. Uma religião como o Cristianismo não servia para o comércio de manufatura de ídolos. Paulo tinha enraivecido os ourives que ganhavam seu dinheiro, fazendo imagens (Atos 19:23-29). Os cristãos se opunham à idolatria sob qualquer forma. Consequentemente seus ensinamentos fizeram inimigos dos negociantes de imagens e altares pagãos, e também dos fazendeiros que providenciavam animais para os sacrifícios.

Os cristãos realizavam reuniões secretas. Por causa dos perigos que ameaçavam o Cristianismo, este era realmente quase uma sociedade secreta, tendo seus próprios símbolos e senhas. Os cristãos reuniam-se em lugares ocultos e em horas raras. Este fato contribuiu para aumentar as suspeitas dos inimigos. Inclusive pelas notícias de que os cristãos estavam fazendo planos para dissolução do Estado. Outros espalhavam mentiras de que seguiam práticas imorais e de canibalismo.

Sua fé se fortalecia. Quando a crença de alguém pode custar-lhe a vida, ele tem que ter a certeza de que, o que crê, vale o sacrifício. Durante anos de perigo, as doutrinas cristãs tomaram feições definidas. Em discursos e cartas de defesa estavam sendo descritas as crenças cristãs e as formas de adoração.

Muitos uniram-se à Igreja. Jesus tinha dito que o Evangelho se espalharia como o fermento dentro duma massa de farinha. E é justamente o que aconteceu. Muitas pessoas se convenceram de que deveria haver algo vital no Cristianismo se centenas de cristãos estavam prontos a morrer por aquilo que acreditavam.

9. O que desencadearia hoje uma implacável perseguição aos cristãos?

O mesmo motivo que fez com que o governo romano proibisse o culto cristão em meados do primeiro século – desobediência às determinações governamentais. Mais alguns exemplos:
Embora houvesse uma certa tolerância à fé e prática cristãs durante a primeira metade do primeiro século por parte do governo romano, as gritantes contradições sociais ecoavam por todo o Império e além dele. Pouco a pouco a repetição das palavras e a prática dos ensinamentos de Cristo provocaram uma mudança de postura por parte dos poderosos com relação aos ensinamentos de Jesus.

Multiplicavam-se os casos de real conversão de pessoas de todas as camadas sociais, que iam desde o eunuco da Rainha da Etiópia ao oficial do Exército Romano. Tudo isso, foi, progressivamente, provocando uma grande preocupação ao governo romano e às classes dominantes.

Em virtude do significado da propagação do Reino de Deus, ensinado por Jesus, e aceito nas terras do Império Romano, César, temendo um mal maior, finalmente decreta uma implacável perseguição aos cristãos, que fugindo do Templo, sinagogas judaicas, salas emprestadas e casas particulares onde se reuniam, passam a esconder-se secretamente em sombrias catacumbas e locais onde não poderiam ser descobertos.

As perseguições, contudo, não causaram o efeito esperado. Ao fim do primeiro século, a Igreja Cristã já havia avançado de Jerusalém à Samaria e Cesaréia. A mensagem tinha sido levada até mesmo à África pelo povo etíope. Através das viagens missionárias de Paulo estendeu-se pela Antioquia, Síria até Chipre, ao norte da Ásia Menor e também pela Europa. Como se não bastasse, foi levada por seguidores anônimos até o coração do Império, a própria Roma.
Nada parecia suficiente para estancar a crescente perseguição aos cristãos, primeiro por parte dos líderes judeus, depois pelas próprias autoridades romanas. Nero já tinha levado à morte centenas de cristãos. Não tardou o momento em que Paulo foi escoltado pela última vez pelos soldados romanos quando o levaram para fora da cidade, onde foi morto por uma espada romana.

Durante quase duzentos anos após a morte de Paulo os cristãos no vasto Império Romano tiveram que enfrentar muitas dificuldades. Os diversos governantes que se sucederam odiavam os cristãos. Os seguidores de Jesus eram proibidos de se reunirem. Seus livros eram queimados, seus edifícios destruídos, e milhares deles eram mortos de maneira cruel. Alguns eram queimados vivos, outros crucificados e ainda outros foram levados às Arenas Romanas para serem mortos pelas feras. Policarpo, um líder cristão de Esmirna, ainda que tivesse nascido alguns anos depois do tempo de Jesus, aprendeu tudo acerca dele por intermédio de João, o Apóstolo, que tinha sido amigo íntimo de Jesus. Durante muitos anos Policarpo seguia fielmente os ensinos de Jesus. Mas os judeus de Esmirna não gostavam disso. Eles não queriam permitir que a Igreja Cristã progredisse.

Em muitos lugares os cristãos eram mortos por se recusarem a obedecer leis e costumes romanos. Era-lhes exigido que considerassem o próprio Imperador como um deus. Cada ano uma festa era celebrada em honra do Imperador, e uma parte do festival consistia em lutas entre homens e feras. Este esporte era muito cruel, mas ninguém se importava com isso. No ano 155 A.D. os habitantes de Esmirna se reuniram para observar estes jogos, nos quais muitos homens perderam suas vidas. Onze cristãos tinham sido lançados perante os leões quando os judeus gritaram, "Trazei Policarpo. Que ele morra"!

Trouxeram então Policarpo, que estava com uns amigos numa fazenda. A multidão furiosa o arrastou e o amarrou em um poste fincado firmemente na terra, acendendo uma fogueira ao redor dele. Manuscritos antigos dizem que como o fogo custava a pegar traspassaram seu corpo com uma espada, matando-o ali mesmo.

Entre os cristãos de Cártago havia uma senhora de nome Perpétua. Ela era ainda jovem e seu marido havia morrido apenas alguns meses antes deixando-a com uma criança de um ou dois meses.

Juntamente com outros cidadãos foi lançada numa cova escura e úmida onde ficou durante muitos dias. Seu filho estava junto com ela naquele lugar horrível. Perpétua, e todos os outros que estavam com ela sabiam que qualquer dia seriam levados à arena para serem mortos pelas feras. Finalmente Perpétua foi levada à arena, havia junto a ela uma moça escrava, chamada Felicitas. Como Perpétua, Felicitas também tinha um bebê nascido apenas três dias antes, enquanto estava na prisão. Quando estas duas mulheres entraram na arena soltaram um touro enfurecido por cima delas. Arrastadas de lá para cá, acabaram feridas e sangrando, até que a ponta de uma espada romana trouxe-lhes a morte.

Da mesma forma que estes mártires, o autor de Apocalipse 13 claramente admoesta os cristãos a rejeitar as exigências do império e dos seus governantes, João acreditava que essa autoridade terrena estava em vias de extinção pela proximidade da vinda do Reino de Deus.

Como os profetas que o precederam e os discípulos que o seguiram, Jesus também foi vítima mortal dos efeitos que seus ensinamentos provocaram nos poderosos de seu tempo. Os primeiros a reagir foram os líderes judaicos, os sacerdotes principais, o comandante da polícia do Templo e alguns saduceus. Quanto mais a Igreja crescia, mais aumentava a ira dos inimigos.

O capítulo quatro de Atos conta-nos os primeiros sinais de oposição. Os homens ricos e poderosos foram os principais responsáveis pela morte de Jesus, pois temiam perder suas boas relações com Roma, ao falharem no controle do poder sobre seu próprio povo
O mesmo se deu posteriormente quando os seguidores de Cristo se tornaram alvo de perseguições. Contudo, a pretensão de acabar com a Igreja Cristã, resultou o contrário, o meio de seu crescimento. "Mas Pedro e João responderam: ‘Decidam os senhores se Deus quer que nós lhes obedeçamos em lugar de obedecermos a Ele!’". (Atos 4:19)

Abstendo-se de propagar qualquer idéia de resistência política organizada, ou reforma social, os cristãos primitivos almejavam muito mais do que isso. Queriam nada menos que o estabelecimento de um mundo radicalmente novo, formado por homens novos. Acreditavam, conforme Jesus lhes ensinara, não em um pano novo remendando um pano velho, mas no real estabelecimento do Reino de Deus mencionado na oração que ensinou aos discípulos, "Venha o Teu Reino, seja feita tua vontade aqui na terra como é feita no Céu", significando que o presente período histórico se encerraria em futuro muito próximo, e que Deus subverteria as forças do mal estabelecendo seu Reino.

Os cristãos primitivos, fiéis ao ensinamento de seu Mestre, não acreditavam em reformas políticas, mas em uma transformação visceral na carne e no espírito. Um novo nascimento. Um mundo novo pelo qual valeria a pena viver e pelo qual dariam suas próprias vidas para conquistá-lo.

Da mesma forma que qualquer império precisa de súditos para existir, qualquer governo precisa de governados e qualquer senhor precisa de escravos. A ausência de súditos, governados e escravos elimina as figuras do imperador, do governador e do senhor de escravos, os primeiros não existem sem os outros.

O cerne do ensino de Jesus e que o acompanhava onde quer que fosse era viver aqui na terra como se já estivesse no seu Reino. Ele praticava aquilo que ensinava. E uma vez em seu Reino (Apocalipse 11:15), ou na eminência dele (Mateus 6:10), não cabe obediência a outro que não seja Deus (Mateus 4:10).

Desobedecer a Deus significa pecar e o sentido específico da palavra hebraica traduzido como "pecado" é "falta de satisfazer uma exigência ou um padrão", "errar o alvo", "não corresponder à altura", ou nas próprias palavras de Jesus, deixar de fazer "aos outros aquilo que vocês desejam para vocês mesmos". Ou fazer aos outros aquilo que vocês não desejam para vocês mesmos. No plano divino, fazer aquilo que um pai justo não quer que um irmão faça a outro. Qual é o senhor de escravos que gostaria de inverter sua condição tornando-se escravo? Qual patrão aprecia receber ordens de seus empregado? Porque escravos e empregados deveriam gostar do jugo de seus senhores e patrões? Se Jesus se absteve de pregar revoltas, motins, ou reformas políticas foi porque não acreditava que pudessem haver governos, senhores ou patrões justos, mesmo que parecessem diferentes ou mais simpáticos. O mundo que Jesus pregava era radicalmente novo.

Ele não trazia nem pano novo para remendar pano velho, nem vinho novo para encher odre velho (Marcos 2:22). Sua mensagem não comportava reformas. O Reino de Deus pregado por Jesus é incompatível com subjugados ou subjugadores. Há um só Pai e todos os demais estão na condição de filhos, um só Mestre e todos os demais estão "no mesmo nível, como irmãos". (Mateus 23:8)

10. Como deve ser compreendida a recomendação dos apóstolos de obediência às autoridades se muitos deles morreram em tempos de perseguição e principalmente por desobediência às autoridades constituídas?

O exemplo dos apóstolos falou mais alto que suas palavras.
Se obedecessem de fato determinações do Estado e demais autoridades constituídas, os apóstolos e outros milhares de cristãos não teriam sido perseguidos e mortos como foram.

A proibição veio no momento em que o culto e práticas cristãs se alastraram de tal forma que representavam uma mortal ameaça não apenas ao culto ao Imperador e ao poder romano, mas principalmente à injusta ordem econômica e social daqueles dias. Foi por isso que nem torturas, prisões e mortes, intimidaram aqueles homens e mulheres. A proibição serviu apenas para trazer ainda mais simpatia e adesão à causa por parte do povo – Tiago foi morto por Herodes; João ficou preso na Ilha de Patmos; André foi crucificado; Pedro e Paulo foram mortos na cidade de Roma.

No terceiro século milhares de cristãos também morreram, por não obedecerem às autoridades.

Os governantes odiavam tudo que se referia a Jesus e seus companheiros, porque seus ensinamentos tinham despertado a consciência popular.

Os primeiros 50 ou 60 anos da era cristã foram um período da formação das comunidades, compostas de toda a sorte de pessoas. Descrevendo a igreja de Filipos, o evangelista Lucas nos mostra na congregação pessoas tão distintas quanto politicamente perigosas, como uma mulher de negócios muito rica, chamada Lídia; uma moça escrava que tinha espírito de adivinhação e o diretor da prisão da cidade. Em Corinto havia outra mulher rica, chamada Cloé; e Crispo e Sóstenes, que eram os principais na Sinagoga, antes de se converterem; Erasto, o procurador da cidade; Priscila e Áquila que tinham por ofício fazer tendas. A descrição nos mostra ricos e pobres, sábios e ignorantes, escravos e livres, todos atraídos e igualmente desejando formar parte das primitivas comunidades cristãs. Não é difícil imaginar as contradições que surgiam dentro daquela comunidade tão economicamente difusa e que pretendia estabelecer nada menos que as bases do Reino de Deus na terra.

Na verdade, milhares de cristãos desafiaram a César pagando por essa ousadia o maior preço, a própria vida.

Em Atos 5:29, Pedro juntamente com outros apóstolos declaram, logo após fugirem da prisão e serem novamente presos pela polícia: "Devemos primeiro obedecer a Deus e depois aos homens". E tal afirmação representou mais que meras palavras, Pedro tornara-se não apenas ousado, mas dotado de grande coragem. Ele, um simples pescador, desafiava os homens mais ricos e poderosos da nação. Vejam o texto abaixo:

Embora os romanos dominassem sobre a Judéia, eles permitiam que o Sinédrio permanecesse como o tribunal mais alto em Israel. Todas as questões políticas, religiosas e legais, que não podiam ser resolvidas localmente, eram levadas perante a corte central em Jerusalém. A única coisa que não podiam fazer sem o consentimento de Roma era condenar alguém à morte. Os mais poderosos do Sinédrio eram os saduceus. Pertencentes às famílias dos sacerdotes e de ascendência nobre, consideravam-se a si mesmos muito superiores ao povo comum. E, desde que passaram a ocupar posições elevadas no país, tornaram-se agradáveis e leais a Roma. Com o trabalho dos Apóstolos, sentiram seu poder ameaçado. O povo da Palestina seguia facilmente qualquer levante contra Roma. Qualquer ajuntamento de pessoas era sempre olhado com suspeita pelos soldados romanos. Muitas vezes explodiam tumultos e muitos judeus eram mortos. Os saduceus consideravam os Apóstolos como perturbadores da paz e temiam que continuassem a atrair grandes multidões, por isso pediam para os soldados romanos intervirem.

O saduceus temiam perder seu poder, pois pareceria que não eram capazes de manter a ordem. Assim, para manter sua posição de líderes dos judeus, mandaram que os Apóstolos ficassem quietos.

Os saduceus estavam inquietos por causa da ameaça que aquela nova ordem social representava à sua riqueza, poder e posição. Além de outras fontes de renda os sacerdotes tiravam grandes proveitos das ofertas do Templo. As pessoas que vinham de longe não traziam um cordeiro, pombo ou qualquer outro animal para sacrificar, eles compravam o que queriam ao chegarem ao Templo. E os vendedores, sabendo que o povo precisava fazer tais sacrifícios, em obediência à lei, tiravam grande proveito, cobrando preços elevados pelos animais e pássaros que vendiam. Era contra a lei judaica apresentar-se moeda estrangeira no Templo. O dinheiro que o povo usava geralmente era romano. Assim, chegando ao Templo, tinham eles que trocar seu dinheiro por moedas judaicas. Nunca, porém, recebiam o verdadeiro valor pelo dinheiro romano que trocavam. Foi devido a tais fraudes que Jesus ficou tão zangado quando entrou no Templo (Mateus 21:12,13).

Em matéria de religião o povo seguia os conselhos do sinédrio. Os saduceus não esperavam o Messias, eles estavam satisfeitos com o estado de coisas e não queriam mudança alguma. Os escribas e fariseus esperavam o Messias mas não O reconheceram quando Ele veio. Estes homens eram considerados pelo povo como servos e adoradores de Deus, mas ali estava Pedro acusando-os de terem matado o Filho de Deus e de estarem pecando contra Ele, apesar de toda sua honradez exterior.

Os saduceus não acreditavam na imortalidade e ensinavam que tudo terminava com a morte. "Vós errais", declarou Pedro, "porque Jesus ressuscitou dos mortos. E é por meio dEle que os nossos pecados nos são perdoados". Cada palavra pronunciada por Pedro era quase um ataque ao sistema religioso deles, uma religião de aparências, falida, hipócrita e constantemente denunciada nos ensinamentos de Jesus.

Os homens mais capazes da nação judaica tomavam parte neste Conselho. Entretanto, mesmo os homens mais doutos não sabem tudo. Os escribas ensinavam a verdade com autoridade da nação e de seus títulos neste assunto. Os Apóstolos ensinavam a verdade com autoridade que viera de Deus. Jesus tinha dito a eles que fossem e ensinassem em Jerusalém. E em vista de obedecerem ao Filho de Deus, Este dera-lhes o poder de que necessitava. Sua defesa não era baseada em teorias acerca do Messias, mas em sua própria experiência de viver e trabalhar com Ele. Não podiam deixar de testemunhar do que tinham visto e ouvido em suas próprias vidas. E estavam tão certos de ser verdade o que ensinavam, que não hesitava em dar sua própria vida se necessário fosse. Fortalecidos pela força da razão e pela prática dos ensinamentos de Jesus, estes homens, que eram considerados ignorantes pelo sinédrio, declaravam com firmeza que era real o que diziam. E não negariam a verdade, fossem quais fossem as conseqüências. O sinédrio procurou em vão impedir que o Evangelho se espalhasse. Os primeiros Cristãos anunciavam as boas notícias da instalação do Reino de Deus. E por causa de sua firmeza, os discípulos em breve levavam o evangelho para fora de Jerusalém, para o mundo dos gentios. Eles não ficaram desanimados com perseguição e sofrimento, pelo contrário, se sentiam honrados.

Em nossos dias, é absolutamente necessário que os Cristãos tenham que "obedecer antes a Deus do que aos homens". Talvez tenham que tomar essa atitude porque sintam que o que se espera deles é contra a lei de Deus. Muitas vezes, quando os Cristãos tomam esta atitude, aqueles que a princípio se lhes opõem, passem a nos respeitar pela nossa coragem. Às vezes, um testemunho destes traz consigo uma vitória imediata. Outras vezes, no entanto, eles tem que ficar firmes e suportar a perseguição, como o fizeram os discípulos. Sabemos que Pedro foi um dos líderes por sua firmeza e pela autoridade de Jesus.

A história tem mostrado que as principais exigências e posturas de senhores e governantes são, via de regra, frontalmente contrários ao ensinamento de Cristo. A grande mensagem oculta por trás da mensagem de Jesus e dos profetas que O antecederam é que não se pode obedecer a Deus e ao governo ao mesmo tempo. Enquanto o primeiro é fonte da suprema justiça, o segundo é fonte da suprema iniquidade. Na dúvida, basta lançar um olhar sobre a história, sobre o presente e sobre as perspectivas do futuro. Também não se pode amar ao vizinho como a nós mesmos sem convidá-lo para que também faça parte do Reino de Deus na terra, ou seja, poder e honra, somente devem ser prestados a Deus, nunca ao homem.

Estevão foi o primeiro cristão a ser morto por preferir obedecer a Deus que aos governantes. Foi preso, arrastado para fora da cidade e apedrejado até a morte por desobedecer às ordens das autoridades. O apedrejamento foi feito diante de um jovem oficial romano, Saulo, que mais tarde se tornaria também um cristão.

O contato de Paulo e Silas com uma escrava adivinha e que resultou que alguns senhores parassem de ganhar dinheiro às custas dela. Irados, esses senhores da escrava agarraram os dois "e os arrastaram à presença dos juizes, na praça do mercado", acusando-os de perturbar a ordem na cidade e "fazer coisas contrárias às leis romanas". Os juizes "ordenaram que tirassem a roupa deles e batessem com varas", depois disso "foram jogados no cárcere". (Atos 16:19-23)
Na carta a Timóteo, enfatiza que, "não trouxemos nenhum dinheiro ao mundo, e não podemos levar nem mesmo um centavo quando morrermos" e arremata adiante, "as pessoas que querem ser ricas, logo começam a fazer toda espécie de coisas erradas para ganhar dinheiro, coisas que lhes causam dano e as tornam malvadas, e finalmente as mandam para o próprio inferno".

O novo nascimento era incompatível com a exploração dos homens e com a obsessão pelas riquezas materiais. Paulo esperava que, com o tempo, a prática de amor entre os cristãos, ou os efeitos da justiça do Reino de Deus, diluiria tanto classes sociais como a ansiedade de ter mais que o necessário na busca pela riqueza e pela exploração.

Coisas como escravidão eram claramente opostas aos ensinamentos de Jesus. Paulo afirma: "nunca mostrei cobiça por dinheiro ou por roupas caras – vocês sabem que estas minhas mãos trabalharam para pagar minhas próprias despesas e até para as despesas daqueles que estavam comigo". A todo instante Paulo era acusado de fora da lei, de traidor de César e de se opor às leis judaicas (Atos 17:7; Atos 18:13; Atos 21:28; Atos 24:5). De qualquer maneira, como Jesus, ele nunca se calou diante da autoridades, chefes religiosos e governantes (Atos 24:25), embora agisse com cautela (Atos 23:1 em diante). A ação e ensinamentos de Paulo afetaram diretamente interesses ligados ao poder, à religião e à economia, tanto que foi arrastado aos tribunais por causa disso (Atos 19:25 em diante).

Os governadores romanos passaram a acreditar que os Cristãos eram um perigo para a nação. O próprio Rei Herodes atacou os cristãos, esperando destruí-los. Primeiro matou Tiago, o filho de Zebedeu, depois prendeu Pedro. Como todo e qualquer governante, Herodes subiu ao poder usando de astúcia e traição. O texto abaixo ilustra bem essa idéia.

Como Rei possuía poder e riquezas. Nos ensinamentos dessa nova religião ele viu uma ameaça à sua posição. Cerca de quarenta anos antes os magos do oriente tinham vindo ao palácio de seu avô, perguntando: "Onde está o Rei dos Judeus recém-nascido?" (Mateus 2:1,2). A mensagem que os Cristãos anunciavam era igualmente indesejável para Herodes Agripa. Seus ensinamentos do Messias que tinha vindo à terra deviam ser impedidos. Ele prendeu Pedro, porque este falou principalmente acerca do Messias. Mas Herodes não contou com Deus. E os Cristãos sinceros em todas as partes do mundo necessitam hoje esse conforto, pois tem que enfrentar poderes políticos quase sempre inamistosos.

Herodes viu que "agradava aos judeus". E ele faria qualquer coisa para ganhar o favor do povo sobre o qual governava. Por ser edomita, e não de sangue puro judeu, os judeus não aceitaram completamente sua autoridade como governador. Mas ele conseguiu ficar em bons termos com as classes governantes entre seus súditos. O imperador de Roma tinha mandado erigir uma estátua dele mesmo no Templo em Jerusalém. Sabendo que este fato ofenderia aos judeus e causaria derramamento de sangue, Herodes Agripa persuadiu Calígula a desistir da idéia. Desta maneira Herodes obteve o favor dos líderes judaicos, que tornaram-se seus cúmplices em suas atrocidades.

11. Porque todo tipo de governo e de capitalismo é necessariamente contrário aos ensinamentos dos profetas de Israel e de Cristo?

Aqueles que denunciam a injustiça praticadas pelos governantes e capitalistas passam a ser perseguidos. A maioria das Igrejas cristãs apoiam os poderosos e isso não é coisa nova porque a falsidade dos líderes e sacerdotes religiosos vem desde os profetas do Antigo Testamento. Vejam essa ilustração:

Andando pelas ruas da cidade, o pastor de ovelhas Amós viu como os ricos viviam uma vida de luxo e prazeres, enquanto os pobres passavam fome. Viu também as casas dos ricos, cercadas de belos jardins e vinhas, e seus donos alegrando-se com músicas e festas, enquanto os pobres mendigavam o pão. Viu os filhos sendo vendidos como escravos a fim de que as famílias pudessem comprar alimentos. Os ricos não se incomodavam nem um pouco com os sofrimentos dos pobres.

Nos mercados ele viu os negociantes usando medidas falsas e pesos errados, oferecendo o refugo do trigo por um preço que os pobres não podiam pagar. Viu também os que emprestavam dinheiro a juros, obrigando os pobres a pagar-lhes seus últimos centavos. Os negociantes de escravos andavam pelos mercados, para descobrir os famintos e miseráveis que quisessem vender a si mesmos por um pouco de pão.

E quando entrou no Templo Amós viu coisas que o preocupavam ainda mais. Os ricos, vestidos em suas roupas luxuosas, ofereciam seus sacrifícios de animais, frutos ou trigo, e gostavam de ser vistos, tomando parte nos serviços do Templo. Os sacerdotes tratavam-nos com grande respeito, enquanto os pobres eram menosprezados.

Este estado de coisas perturbou Amós profundamente. Ele sabia que Deus não podia estar satisfeito com as ofertas do Templo enquanto os pobres sofriam tão grandes necessidades. Que poderia ele fazer? De repente ele ouviu a voz de Deus (Amós 7:15) "Vá e profetize para o meu povo, Israel". Como poderia um pastor de ovelhas sem instrução, como ele era, falar a este povo da cidade?

Deixando seu trabalho Amós, viajou para o norte, para o Reino de Israel. Entrando nas cidades, as multidões ouviam-no gritar, "Buscai ao Senhor! Buscai ao Senhor. . . Aborrecei o mal e fazei o bem!". Por fim chegou a Betél, onde os ricos se juntavam para fazer suas ofertas a Deus. E aparecia em sua vestimenta de pastor, com os pés descalços. Parando no meio deles gritava.

"Israel caiu! Israel caiu!" O povo assustou-se e ficou pasmo. Amós falou-lhes então do seu egoísmo e maldades. Disse-lhes que Deus aborrecia suas ricas ofertas enquanto permanecessem explorando aos pobres. O que Deus queria ver era retidão e justiça entre eles. Então profetizou que haviam de passar por grandes aflições por causa de suas maldades. Um exército inimigo se levantaria contra eles e os levaria cativos.

O sacerdote Amazias ficou zangado com este pastor que tinha vindo para perturbar o povo desta maneira, fazendo-o lembrar dos seus pecados. E mandou uma mensagem ao rei de Israel, Jeroboão II, dizendo que Amós estava conspirando contra ele (Amós 7:10-11). Mas Amós respondeu, desmentindo as palavras do sacerdote, dizendo: "Eu não sou um profeta mesmo. Nem nasci em uma família de profetas. Sou apenas um boiadeiro e colhedor de frutos. Mas o Senhor me tirou de junto dos rebanhos e me ordenou: Vá e profetize para o meu povo, Israel" (Amós 7:14-15). Por esta razão não temeu o que o rei ou o sacerdote lhe poderiam fazer de mal.

Por fim Amós voltou ao deserto. Ele sabia que os ricos da cidade não se tinham afligido muito com suas palavras, tendo voltado logo aos seus caminhos egoístas. Com o coração triste ele provavelmente procurou alguém que soubesse ler e escrever, para escrever as palavras de Amós, os pecados do povo de Israel (Amós 5:11,12,26) e o castigo que resultaria deles.
Este castigo que Amós profetizou veio por fim. O rei da Assíria invadiu Israel, destruiu as belas cidades e levou consigo o povo para o cativeiro, para nunca mais voltarem à sua terra. Num tempo de grande necessidade Deus achou seu mensageiro entre as montanhas de Judá. Talvez em seu cativeiro os israelitas recordaram o pastor enviado por Deus e sua mensagem "Buscai ao Senhor".

Num dia de festa nacional todos os habitantes de Judá reuniam-se em Jerusalém para adorarem no Templo. O pátio deste estava apinhado de gente. Baruque atravessou a porta e ficou no lugar onde Jeremias tinha estado. Então começou a ler todas as palavras que estavam escritas no rolo e todo o povo o ouvia.

Nada feliz com o que ouviam, alguém foi falar ao Rei, especialmente porque a mensagem era contra a casa do rei. Então Micaías foi ao palácio e entrou na sala onde os escribas se tinham reunido com os príncipes e contou-lhes o que estava acontecendo. Então mandaram chamar Baruque e ordenaram-lhe que lesse as mesmas palavras para eles. Tendo-as ouvido, temeram.
Entraram na casa do Rei e lhe contaram todas as palavras que tinham ouvido. O Rei ficou muito zangado. "Onde está o rolo?" perguntou ele, e mandou buscá-lo. Quando o mensageiro voltou com o rolo o Rei estava sentado perto do fogo, pois era a época do inverno. "Leia-o para mim", ordenou o Rei. Então Jeudi começou a ler, e enquanto lia, o Rei ficava mais e mais zangado, até que por fim gritou, "Basta, não quero ouvir mais nada. Dá o rolo para mim". Tomando-o em suas mãos começou a cortá-lo em pedaços com um canivete, jogando-os no fogo. Alguns dos escribas instaram com ele para que não queimasse os rolos, mas não queria ouvir. Até que por fim tudo estava queimado. Não havia tristeza em seu coração por causa de seus pecados. Ele estava zangado porque Jeremias se atreveu a Ter estas coisas escritas.

No entanto, a ação do Rei não era o fim da mensagem de Jeremias; a voz de Deus não pode ser silenciada por reis ou governadores. Deus falou novamente a Jeremias, e disse-lhe que tomasse outro rolo e que Baruque escrevesse tudo de novo. Devia ainda acrescentar que, quando o rei da Babilônia destruísse Jerusalém a cidade seria deixada como um deserto, onde nem o homem e nem os animais pudessem viver. Todos os filhos de Jeoaquim seriam mortos ou levados presos, de maneira que nenhum membro da sua família fosse deixado para governar sobre Jerusalém.

Então Jeremias tomou um outro rolo e Baruque escreveu novamente todas as palavras que Deus tinha falado pela boca do profeta.

12. Porque os cristãos não são mais perseguidos pelo Estado?
Porque muitos deles se tornaram colaboradores do Estado e escravos do dinheiro preferindo fazer a vontade de homens que a vontade de Deus.

A perseguição à Igreja Cristã por parte dos governantes termina apenas quando a cristandade deixa de lado o estabelecimento do Reino de Deus a partir da terra. Ou seja, o Reino de Deus seria coisa pós morte, na terra tudo deveria permanecer como sempre foi. Ricos e pobres, escravos e senhores, miseráveis e opulentos, não importa a condição social. Não poderia haver mentira mais deslavada de que o Reino de Deus só viria depois que o crente morresse.

O Reino de Deus ensinado tal qual Jesus ensinou não comporta injustiça aqui nem classes sociais agora.

Muitos líderes cristãos, longe de serem críticos corajosos da sociedade em que vivem, tornam-se seus maiores representantes. Muitos desviam-se dos grandes ideais de justiça e amor e tornam-se os carrascos da Inquisição, outros debruçam-se diante dos seus modernos Templos de Baal enquanto abençoam os generais de Hitler. Exibem-se em festas religiosas e assembléias solenes (Amós 5:21) enquanto fundam sociedades homofóbicas. Pisam o povo pobre e roubam sua última migalha com todos seus impostos e multas (Amós 5:11) enquanto estabelecem mais uma religião a serviço do poder e dos poderosos.

Segundo eles, as autoridades civis e militares representariam a vontade divina para prover a "ordem" na sociedade, uma versão amainada da religião em voga naqueles dias em todo o Império Romano, onde César, expressão máxima do Estado, deveria ser cultuado como o próprio deus. Os escravos deveriam se submeter aos seus senhores da mesma forma que os trabalhadores assalariados hoje se submetem aos seus patrões. Enquanto o Reino de Deus não chega, recomendam obediência às exigências do imperador, do Estado, dos senhores.

No passado, Pedro, Paulo e muitos outros, sofreram prisões, tortura e morte desobedecendo determinações de governos e autoridades. Em nossos dias, muitos líderes cristãos modernos além de enganar o povo com migalhas, em nome da "ordem" social, vivem a serviço dos interesses de governos e autoridades piores que aquelas que mataram os cristãos sinceros no passado.

É difícil acreditar que um prisioneiro que precisava de uma escolta de 470 soldados para ser transportado (Atos 23:23), mesmo sob correntes, cujas palavras fizeram tremer a Félix, o ex-escravo que se tornou o cruel, injusto e desonesto governador romano (Atos 24:25), fosse afeito a obedecer autoridades governamentais.

No Reino de Deus aqui na terra não deve haver senhores ou escravos, patrões ou empregados, homens ou mulheres submissos a homem ou mulher. Não cabe aos homens e mulheres impor condições e preferências sexuais a outros homens e mulheres. O governo e a exploração do homem pelo homem contraria a essência dos ensinamentos de Cristo sobre a justiça e a ausência de hierarquia em Sua nova ordem, "entre os não-crentes os reis são tiranos, e cada oficial inferior domina sobre aqueles que estão abaixo dele. Mas entre vocês é bem diferente" (Mateus 20:25).

Isso não quer dizer que entre os crentes os reis não seriam tiranos, simplesmente não haveria reis ou tiranias, nem governadores ou hierarquias. "todos vocês estão no mesmo nível como irmãos" (Mateus 23:8). No Reino de Deus essas coisas seriam não apenas nocivas como totalmente desnecessárias "Quem quiser ser o maior, que seja o menor".

Passagens bíblicas correlatas
Col. 1:16
Apocalipse 11:15
Deut 10:14
Hb 11:13-16
Isaías 3:14
Isaías 9:1-7
Isaías 11:1-9
Rom 8:32,37
Mt 22:36-40
Oséias 13:10
Hb 13:14-16
Cl 3:1-17
Rm 13:1-10
Dn 2:24-44
1 Pe 2:11-14
Jz 17:1-6
Rm 13:1-7
Mt 5:13-16
Mc 12-13-17
Mt 17:24-27
At 5:25-32
At 22:25-29
Tm 2:1-3
Dn 2:20-22
Mt 5:38-48
Jo 2:13-17
Ef 4:26-27
Rm 12:17-21
Rm 13:1-5
1 Pe 2:18-25
Gn 12:1-3
Sl 24:1
Ef 4:17-25a
Os 4:1-4
Mt 27:15-26
Mc 15:6-15
Mt 15:19
Ef 2:12
Lc 22:47-53
Ef 6:10-12
Gen 1:27
1 Sm 8:1-22

Bibliografia
Apologética Cristã, Alan Richardson
Dicionário da Bíblia, John D. Davis
Como nos veio a Bíblia, Edgar J. Goodspeed
Fé bíblica e ética social, E.C. Gardner
A Bíblia Viva. 1981, International Bible Society

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