segunda-feira, 24 de março de 2008

ACAMPA-CÓPIA-MENTO?

Acampa-cópia-mento?
Miguel Garcia



...“Vê que faças todas as coisas de acordo com o modelo que te foi mostrado no monte”. Heb 8:5

...“tendo a sombra dos bens futuros e não imagem exata das coisas, não pode nunca pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem de “ano em ano”, aperfeiçoar os que se chegam a Deus”. Heb 10:1


A Pastora Fátima Nascimento além do seu reconhecido destemor, nobreza nos sentimentos e amor ao bem, provou mais uma vez sua inconteste habilidade na arte de cativar os ânimos. Foi assim que realizou o primeiro Acampamento de Páscoa com a Comunidade Betesda em Lavras.

A idéia de um retiro espiritual no feriado prolongado deixou a congregação mineira assaz entusiasmada... É Uái!. Bom sinal, Deus seja louvado! Igreja viva é assim mesmo - cola
tal qual carrapicho, prende e envolve feito trepadeira, sua brincadeira predileta é o pega-pega. Igreja viva é que nem carrapato: gruda, suga... mela e adere como clara de ovo, enrosca, enlaça. Feito leite coalhado sobrenada líquidos de incertezas, voga a elevação de superfícies ameaçadoras... prazenteira na comunhão é uma igreja viva. Ainda bem que é assim! Quem precisa de ruas de ouro e Alfhavilles Celestes? Ver a alegria assenhorar-se do espírito da irmandade basta. A consumação de campais dos prazeres urgia!..

Ver crianças, jovens, adultos e idosos, em brasas de excitação, conectados aos galhos do tronco de uma aspiração confortadora feito jaboticabas temporãs – suspensos, aluados feito o Apolo atingido pela seta do filho de Vênus, ou ainda, à semelhança de Dafne, horrorizados com a idéia de amar uma vida aprisionada às obrigações do cotidiano, por mais que se afigure “divinamente dotada”.

Já era sabido que a aglomeração festiva proporcionaria colisão de corpos de afetividade, corpos sonoros... carências transbordantes, olhares caçadores, murmúrios cativantes, confissões serenas, silêncios revigorantes, vivências desnudas, solidões imantadoras, utopias possíveis e regozijos responsáveis...

Solta a imaginação que se fazia minúscula no horizonte daquela sede inadiável de amar, surpreendendo o Sol antes de o Sol raiar no grande dia de partirmos para além do topo das melhores esperanças.., víamos nitidamente barracas espalhadas por um gramado denso e macio criando efeito de uma aldeia de família numerosa. Gargalhadas explodiam como se fossem foguetes, abraços e carícias balsâmicas – efervescência das paixões mais intensas e "luxuriantes"... iluminação precária e improvisada facilitando a diafaneidade de almas e corações, boca seca rogando pela abundância das torrentes de Deus ..., jogos, banhos de Sol, de Lua, chuveirada para o excesso de sisudez e piscina pra arrefecer cabeças quentes, descantes, danças, preces flutuando como folhas agitadas pela aragem – como uma branda inquietação da água corrente, fogos de artifício em cada olhar, saborosa e urgente aventura de navegar rumo aos amigos/tesouro/escondido, proeza de ser quem se é nessa vida, de abrir-se, mostrar-se por dentro, caminhar na direção do diverso sem reservas ou disfarces ridículos, pra encontrar-se com Deus, como o novo, o outro e consigo mesmo.

Diante dos felizes prognósticos que se avolumavam a cada instante – figuras mentais das coisas ausentes, conjeturávamos sobre onde, quando e como se daria esse regresso ao Paraíso – redenção do labutar cotidiano.

Resolvidas as questões preliminares e passados alguns dias, como que elevados e impulsionados pelo pó mágico das fadas: Fátis, Cátis, pelas divindades rurais: Pã-Heber, Fauno-Cláudio e pelas ninfas das florestas mineiras (anônimas notáveis), voejamos todos por planícies e cerrados, roçando nuvens, fazendo amor com a dispersão do azul-celeste, extasiados pela colisão dos traços de luz emanando do Rei do dia, até que lá estávamos, acolhidos por uma vegetação abundante e diversificada que cirandava tudo.

A paisagem silenciosamente ruidosa ocultava incessante desfile de insetos Percursionistas. Ancoramos e logo amparados pela melodia de pardais e bem-te-vis, pelo balé dos tucanos - pela dança de suas cores estonteantes incidindo e embriagando o olhar, suspiramos de satisfação.

Ao fundo, montanhas soberbas de aspecto aveludado. Seus contornos bem definidos, sensuais como corpos de negras lavrenses adormecidas de bruços, como que escondendo segredos inconfessáveis e prazeres proibidos por detrás, induzindo olhares ardorosos a empreenderem uma escalada, não como faz o corpo, mas num sentimento... o lugar despertava agradavelmente nossos sentidos.

Por todos os lados "via-se" a deliciosa agitação e encantamento de meninos e meninas de todas as idades explorando cada pedacinho do lugar, degustando sabores com os olhos, com a ponta dos dedos, com a planta de pés desprevenidos, sorvendo a localidade com a sede de quem sob Sol escaldante, laboreia na (panha) de café, escutando a beleza dos tons de verde-azulado, água-marinha, verde-mar, lima, limão, esmeralda, musgo, oliva, verde-floresta, turquesa, menta, lunar... Respirando a delicadeza do feitio, da feição de tudo, lambendo os lábios carnudos dos sonhos satisfeitos e desejos realizados... eis que tudo era bom! Tudo se fez absolutamente novo de baixo do Astro Luminoso. Nosso Acampa-cópia-mento acontecia de fato... e nós... protagonistas da boa notícia sombreada, sorvíamos o prazer.

Foi aí que me vi brincando de pensar com cabeça de grego. Lembrei-me de Platão, sua teoria sobre sombras... cópias... Imaginei se o que de início antecipávamos na instância do desejo e depois concretizávamos no tempo e espaço seria como um rascunho do real - de uma matéria mais densa.

Acampar seria atividade emblemática de um mundo simulado? Pálida imagem, ligeira aparência, silhueta, sombra - espaço que se tornou menos claro pela interposição de um corpo opaco entre ele e o objeto luminoso? Seriam essas delícias naturais representações de possibilidades que o espírito também pode e deve usufruir?

Platão falava sobre arquétipos existentes no "mundo superior" segundo o que as cópias terrenas foram amoldadas.

Li em algum lugar que é certo que o escritor da Carta aos hebreus podia pensar com essas categorias: a terra – mundo físico, natureza, o temporal, como sombras simbólicas, e, aquilo que é imaterial, espiritual e eterno como Arquétipo ideal ou terreno da realidade.

Lendo Hebreus 10:2, possuído por um tipo de substância incorpórea que invadiu minha mente e coração, representei em meu espírito que, além de nos somarmos aos fenômenos migratórios nas estradas e rodovias, por ocasião do que chamamos de férias e oportunidade para o descanso e relaxamento - o que muitas vezes faz com que nos ocupemos mais do que em dias normais de trabalho, precisamos compreender que nosso espírito também tem necessidades de uma ordem de coisas bem parecidas com essas que tanto nos atraem para os acampamentos em feriados prolongados, ele também carece de beleza - festejar de alegria. O que é verdade para o corpo também o seria para o espírito humano. Assim como o nosso corpo, nosso espírito também conhece a exaustão, a solidão, a fome e sede do belo, também suspira de prazer...

Os sacrifícios no temporal tem um enorme potencial de errar o alvo... Existe uma realidade mais espessa, compacta, cerrada... Seria tão bom que aprendêssemos a não privar nossa alma das delícias e descanso nos jardins de Deus... em lugares de eternidade!... E então, vamos acampar?

Um comentário:

Anônimo disse...

Este texto é belíssimo!

Que poeta maravilhosamente sensível esse Miguel Garcia!

Simplesmente amei!

Abraços Norma Beatriz