quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Correnteza


Correnteza
Miguel Garcia

“É natural que toda calamidade, todas as aflições que nos surpreendam em meio ao divertimento, provocassem em nós uma impressão mais forte do que em qualquer outro momento, não só porque sentimos mais vivamente o contraste, mas porque os nossos sentidos, já despertados à emoção, ficam muito mais suscetíveis”. Goethe

Uma criança e uma mulher podem morrer e um homem desaparecer numa tarde de domingo após serem arrastados pela correnteza de um ribeirão de frustrações, decepções e angustias, na instância da subjetividade, a quilômetros de uma esperança qualquer.

Viver é como acampar às margens de uma cachoeira em tarde de domingo, é como brincar em águas rasas e cristalinas, na Serra dos ideais.

Viver é encontrar-se, sem saber, no caminho de algum desastre, pois se a chuva do absurdo não absoluto cai livremente em toda a região da existência, é certo que o nível desse líquido de risco, acumulado em regatos de exasperações, por sua vez conectados entre si e não tão distantes uns dos outros, subirão, algumas vezes pra além da normalidade, ameaçando levar seres brincantes e despreocupados nas águas de sua correnteza...

Sendo este o caso e acionados os salvadores bombeiros da religião, psicanálise, psiquiatria, verificaríamos a remissão de alguns sobreviventes, a poucos metros do local da queda d’água/calamitosa, onde se encontrariam agarrados em galhos de afetividade.

Contudo, corpos embebidos de morte seriam resgatados pelos psico-resgatadores e religiosos no fim da manhã do dia seguinte ao infortúnio violento, a alguns quilômetros da cachoeira da Serra dos ideais, próximo ao local onde o ribeirão de frustrações, decepções e angustias desaguaria na eternidade.

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